quinta-feira, 19 de junho de 2014

7.0 - Chico Buarque


Imagine um Brasil sem Chico Buarque. E também sem Geni, Beatriz, Pedro Pedreiro e Rita. O talento de Chico nos presenteando com esses personagens que até hoje nos explicam de quem é feito o Brasil. 

Os sambas do autor se tornaram essenciais não apenas no cancioneiro nacional, mas na história do país. Hoje, o compositor completa 70 anos. A festa de aniversário será em Paris, onde ele finaliza seu próximo romance. 


De todas as suas músicas, eis a minha predileta:
O MEU AMOR! 



"O meu amor tem um jeito manso que é só seu
 E que me deixa louca quando me beija a boca 
A minha pele toda fica arrepiada 
E me beija com calma e fundo 
Até minh'alma se sentir beijada 

O meu amor tem um jeito manso que é só seu 
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos 
Com tantos segredos lindos e indecentes 
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes 
Eu sou sua menina, viu? 
E ele é o meu rapaz 
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

O meu amor tem um jeito manso que é só seu 
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca 
E quase me machuca com a barba mal feita 
E de pousar as coxas entre as minhas coxas 
Quando ele se deita 

O meu amor tem um jeito manso que é só seu 
De me fazer rodeios, de me beijar os seios 
Me beijar o ventre e me deixar em brasa 
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo 
Fosse a sua casa 
Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz 
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz." 


Sem esquecer que ontem 18/09, foi o 68º aniversário de outra grande estrela, Maria Bethânia! Abaixo, um grande encontro entre Chico e Bethânia no DVD Luz i Dia: 
"SEM FANTASIA".

"E agora que eu cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa dos carinhos teus."

quarta-feira, 18 de junho de 2014

O dever do esclarecimento da verdade no processo de adoção



O instituto da adoção é muito recente no Brasil. Somente no início do século passado, a partir do Código Civil de 1917, a adoção de crianças e adolescentes foi regulamentada. Percebe-se que apesar dessa inicial regulamentação do Código Civil de 1917 os caminhos alternativos, muitas vezes ainda são trilhados por aqueles que querem ser pais adotivos. 

Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, ampliou-se o leque de características que passa a ser aceito em relação aos candidatos à adoção, no que diz respeito ao estado civil e à idade. Assim, a adoção é possível de ser requisitada por qualquer pessoa maior de 21 anos de idade, independentemente de seu estado civil, desde que haja diferença de 16 anos entre adotante e adotado, não sendo permitida a adoção por familiares (avós e irmãos do adotando). O ECA estabelece, desta forma, diferentes possibilidades de adoção. 

O que muitos ainda não perceberam é que as alterações em sua totalidade não resolveu um mal sofrido pelas mesmas crianças e adolescentes que o Estado lhes destinou tal proteção. O constituinte nem sequer esboçou radicalizar o mal do mito na adoção, a chamada mentira pra contentar. O relato que li sobre a nutricionista Ester Gonçalves[1] (nome fictício), aguçou-me os sentimentos e pensamentos sobre a realidade do instituto de adoção vigente no Brasil. Percebem-se três realidades da adoção legal no Brasil quanto aos resultados psicológicos. A) a adoção encoberta; b) a adoção confessada e a c) mista. São três realidades distintas que são resultantes do processo de adoção e que podem desenvolver na vida da criança e do adolescente, desde consequências mais simples, que vão de contrariedades à infelicidades, até as mais profundas e desastrosas, que podem dar origem às variadas formas de pessoas em nossa sociedade. 

A adoção encoberta acontece quando o casal adotando, por determinadas razões, não relata a criança, desde pequena, que os mesmos não são seus pais biológicos. Já a adoção confessada ocorre ao contrário da primeira, quando o casal adotando resolve esclarecer ao adotado que os mesmos não são seus pais biológicos. Alguns além de os revelarem, às vezes, chegam até levar o adotado para visitar seus outros irmãos. Por fim a adoção mista ocorre quando o casal adotando confessa ao adotado que não são seus pais biológicos, mas que não sabem o paradeiro, não querem contato e evitam falar no assunto. Nesta há a confissão, mas falseada. 

A História de Ester Gonçalves nos mostra a realidade da adoção encoberta, pois mesmo que ela já soubesse que era adotada, mas ninguém seus pais nunca contaram a ela a história verdadeira. Nas visitas recebidas em casa, pessoas trocavam olhares entre si, e a mãe adotiva distribuía cotoveladas quando alguém, sem perceber, tocava no assunto proibido. Para evitar mais constrangimentos, Ester fingia não saber de nada. Aos quatro anos começou a descobris a verdade. O fio da meada aconteceu com chegada do irmão mais novo, também adotado. “Perguntei à mamãe porque a barriga dela não tinha crescido. Ela inventou uma história e disse que havia usado uma cinta durante a gravidez”. Era o começo de uma vida de mentiras. “Eu me sentia enganada o tempo todo”, afirma. 

Mesmo que no processo de adoção nos dias atuais, a criança e o adolescente já desfrutem do direito de conhecer sua origem biológica (a partir da Lei nº 12.010/2009 que inseriu o artigo 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente), acredita-se que o problema não esteja resolvido. O Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 48 institui “o direito ao adotado conhecer sua origem”, mas o que poderia resolver seria a obrigatoriedade do adotando revelar a história do processo de adoção ao adotado. 

Segundo profissionais que trabalham nesse âmbito descobrir tardiamente que é adotivo torna-se profundamente perigoso, pois “só descobre que foi adotado quem nunca ficou sabendo a verdade desde criança[2]”. Segundo juristas, assistentes sociais e psicólogos, a revelação tardia da adoção é um dos principais motivos que prejudica o sucesso da adoção no Brasil, levando muitas vezes o adotado à revolta contra os próprios adotando. 

O trauma constante destrói o senso da segurança pessoal e a confiança no relacionamento com outras pessoas adultas ou familiares, além de contribuir para a falta de conexões afetivas e das expectativas para o futuro. Ocorrem rupturas e interrupções na progressão das fases de crescimento e desenvolvimento, causando um profundo impacto nos mecanismos de adaptação e sobrevivência. Crianças e adolescentes que sofreram abusos ou abandono e ficaram traumatizadas podem reagir com condutas de defesa e se tornar mais agressivos, com problemas de comportamento, por dificuldades em controlar seus impulsos e emoções, o que leva a outras situações anti-sociais ou criminosas, abusos de drogas e auto-agressões com mutilações corporais. (EISENSTEIN, 2004, p.123) 

Silvana do Monte Morreira afirma[3] “Desde o momento em que a criança chega no lar, mesmo que não tenha idade para perceber tudo, ela tem de ter noção de que é uma criança escolhida pelos pais. Tem de saber que não veio da barriga da mãe. A base de um relacionamento é a confiança”, lembra. Eu mesmo tive a experiência de adotar o meu único filho e percebemos que desde pequeno o mesmo tinha entusiasmo em dizer a todos que “eu não sou da barriga, mas do coração”. Hoje com dezesseis anos, ainda tem a mesma alegria em contar a qualquer pessoa que é filho do coração[4]. 

Isso acontece, em boa parte, pelo fato de a Lei Nacional da Adoção, nº 12.010/2009, dar apenas ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 anos. O parágrafo único do mesmo artigo prossegue afirmando que o acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao mesmo, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. 

Percebe-se temor por parte do próprio Estado, pois ao dizer que ao menor de dezoito anos é assegurada a orientação e assistência jurídica psicológica e ao adotado maior de dezoito anos, não lhe assegurou tal assistência, ou seja, o acesso à assistência estatal, resultante do mesmo processo de adoção. Assim é dizer que o acesso ao processo de adoção por menor de 18 anos é vexatório, pois ao conceder o direito ao maior de dezoito anos, a mesma assistência não foi concedida ao maior de 18 anos. Ao contrário, os problemas resultantes da adoção são de ordem psicológica atingindo tanto crianças, adolescente e adulto. 

Ester não chegou a esse ponto, mas só se casou mais tarde, aos 38 anos, e nunca quis ter filhos. “Quando tinha 20 e poucos anos, eu e meu irmão fomos à casa da mulher de um senador, que havia facilitado a transação. Ele nem abriu a porta. Pela janela do casarão, disse que nem que enfiassem uma faca no seu peito ela iria contar a verdade. Parecia uma cena de novela, que ficou gravada na minha memória”, revela[5]. 

O momento de contar a verdade tem se tornado cada vez menos traumático para a criança e também para os pais, dependendo de sua faixa etária. 

Todas essas transformações da infância e da adolescência podem ser influenciadas de maneira positiva para o completo alcance das potencialidades vitais, ou de maneira negativa, com distorções ocasionadas por situações de riscos e traumas, que podem interromper essa trajetória e repercutir para o resto de suas vidas[6].

Logo, se algum adotado quiser saber toda a verdade sobre seus pais biológicos, irrestrito aos detalhes do seu processo de adoção, o procurador do Juizado da Infância e da Juventude irá providenciar um meio pra você descobrir sua origem biológica. Isso poderá ser feito após você completar 18 anos ou até antes disso. Se for menor de idade, terá de obter a autorização do juiz, que vai designar um psicólogo e um advogado para acompanhar o caso. E se for criança, na qual não haverá essa habilidade de buscar seus direitos fundamentais? Nesse particular lembraram apenas dos maiores de dezoito anos e dos menores de dezoito anos, impossibilitando assim esse direito aos infantes. 

Mas o princípio do melhor interesse da criança e doa adolescente, estampado no art. 225, parágrafo 6º, garante que no vigente estado democrático de direito, objetive-se a busca ao melhor interesse do menor, estando claro que nesse sentido a lei deveria impor ao adotando o direito de esclarecer ao adotado, sob pena de revogação da perda do poder familiar a não obediência a lei. 

Ao invés disso, se o Estado alterasse a legislação e tornasse obrigatório a todos os adotando o dever de revelar aos adotados, certamente a adoção no Brasil poderia ganhar novos rumos e com certeza bem melhores. A verdade é que, justiça com mentira nunca será justiça. 

CONCLUSÃO 

O processo de adoção no Brasil já melhorou muito, desde 1917 com sua introdutória legalização pelo Código Civil e evoluiu com a promulgação da Constituição de 1988 e consequentemente do Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, um entrave precisa ser retirado dos processos de adoção no Brasil que é a permissibilidade jurídica do mito nos processos de adoção. Essa permissibilidade acontece pela omissão de norma proibitiva de declaração falseada de paternidade.

Entende-se que essa declaração falsa de que os pais adotivos são pais biológicos ou até mesmo da omissão na declaração da verdade processual da adoção, fere o direito da busca pela verdade real, assim como, tolhe o direito a informação da origem genética biológica. 

Portanto, está em tempo oportuno de o Estado privar de vez que casais adotando use de declaração falsa àqueles que o Estado tendo o primado de sua dignidade, entregua à outros que desde o início em nome do amor passam a enganá-los dizendo serem seus pais biológicos, mesmo não sendo. 

BIBLIOGRAFIA 

 Eisenstein E, Lidchi V. Abusos e proteção de crianças e adolescentes. Rio de Janeiro: CEIIAS-ISPCAN. 2004. ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. Editora Ridel, 2013. São Paulo/SP ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Acadêmido de Direito. Rideel, 2012.
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deu-a-filho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. 
Shtml http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=143 [1]http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. Shtml [2]http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. Shtml [3]http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. Shtml [4] O autor é pai de um único filho JMCS, sendo que o mesmo sabe desde os primeiros anos que fpoi adotado e isso as vezes é motivo de alegria para o mesmo. [5]http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/02/27/interna_gerais,280120/lei-que-deuafilho adotivo-direito-de-conhecer-origem-biologica-melhora-adaptacao. Shtml [6]http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=143


Publicado por Dr. José Neves dos Santos
Fonte: Revista JusBrasil

sábado, 14 de junho de 2014

Violações aos direitos humanos dos encarcerados no Brasil



Perspetiva humanitária e tratados internacionais


1 O sistema prisional brasileiro e as violações aos direitos humanos 

 Os encarcerados no Brasil têm previsão de garantia de suas integridades física e moral em diversas legislações, tanto nacionais quanto internacionais, destes últimos, como exemplo as Regras Mínimas para tratamento de reclusos, instituída no I Congresso das Nações Unidas para Prevenção do Crime e para o Tratamento de Delinquentes (1955, Genebra – Suíça). 

 Em 11 de julho de 1984, entra em vigor a Lei de Execuções Penais, que também trata das regras para tratamento dos presos, cumprimento da pena, condições de clausura, do trabalho e da remição do preso. Pelos capítulos da Lei, é possível identificar a preocupação do legislador com o caráter humanitário do cumprimento da pena. 

 Apesar de ambos os estatutos demonstrarem atenção aos direitos humanos dos presos, a realidade nos cárceres brasileiros é bem diferente. As manchetes de jornais e revistas noticiam constantemente as barbáries que ocorrem no interior das penitenciárias, tais como assassinatos, além de divulgarem a real situação dos apenados e presos provisórios, bem aquém da ideal. 

 Apesar de ser amplamente sabido que o Sistema Penitenciário Brasileiro está falido – não cumpre seu papel ressocializador, não há individualização do cumprimento da pena, e não comporta todos os que para lá são enviados- a sociedade se cala diante dessa realidade, por acreditar que os que lá estão merecem tal sofrimento. Há uma concordância quase geral de que os delinquentes necessitam padecer dos males do Sistema, pois ‘pensarão duas vezes antes de cometerem novos delitos’. 

 No entanto, o alto índice de reincidência tem demonstrado o oposto – aumenta vertiginosamente com o caos do sistema, pois funciona com um ciclo, onde o indivíduo que cumpre a pena é tratado (e assim se sente) como um problema social. Ao sair, alvo de preconceito, muitas das vezes não encontra amparo social, especialmente quando se trata de emprego, e volta a delinquir. Conforme salienta Paulo César Seron:

 Hoje, a execução da pena privativa de liberdade parece não cumprir a dupla função de punir e recuperar para ressocializar, conforme estabelece a Lei de Execução Penal (LEP) em seu artigo primeiro, e ainda deixa uma marca na trajetória do egresso que se configura num dos elementos mais perversos, não somente de controle, mas de exclusão social, estigmatizando-o de forma negativa para sempre. 

 Por outro lado, o supramencionado método APAC tem provado que é possível a queda nos índices de reincidência, quando o método humanitário é utilizado, com incentivo à reinserção, e não o repressivo e castigador. 

 Como consequência do descaso das autoridades, o Brasil tem sido palco de inúmeros episódios em que civis fazem justiça com as próprias mãos, a fim de dar uma resposta à própria sociedade, que assiste ao aumento da criminalidade. Tem-se ouvido com cada vez mais frequência as frases: ‘bandido bom é bandido morto’ e ‘adote um bandido’. 

 As violações aos direitos humanos dos presos têm sido consequência do descaso dos governantes, legitimado pela sociedade, que vê no sofrimento do preso uma espécie de pena paralela. Ao ser sentenciado, o indivíduo passa à guarda do Estado, o qual tem o dever de zelar pelos demais direitos do apenado, não atingidos pela sentença. Lamentavelmente, não é essa a realidade. 

 2 Os direitos fundamentais dos apenados no Brasil 

 A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLIX, assegura ao preso o respeito à integridade física e moral. A Carta consigna, ainda, que ‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III). A Lei de Execuções Penais, em seu capítulo II, elenca o rol de assistências assegurado aos presos. A seguir, traçar-se-á um paralelo entre a Lei de Execuções Penais e os direitos humanos reconhecidos em documentos internacionais com a realidade carcerária brasileira. 

 A Lei nº 7.210/1984 - Lei de Execução Penal assegura, em seu capítulo II, assistência ao preso, determinando que o recluso tenha direito à alimentação, vestuário, instalações higiênicas, além de atendimentos de saúde – médico, odontológico e farmacêutico, assistência jurídica, educacional, social e religiosa, além de acompanhamento ao egresso e assistência à família. 

 No entanto, o que se tem visto são constantes ofensas a tais preceitos, sendo tais agravos, segundo Carvalho Filho, a principal causa das rebeliões nos estabelecimentos prisionais.

 Nas prisões brasileiras a realidade é realmente bem diferente do normatizado. Os cativos sofrem constantes agressões, tanto físicas quanto morais, por parte dos companheiros de cela e dos agentes do Estado, estes últimos impondo uma espécie de regulamento carcerário, que não está consignado na legislação, e funciona como uma sanção retributiva ao mau comportamento do preso.

 3 A realidade carcerária brasileira aquém dos ideais internacionais 

 O Brasil é um dos países que mais ratifica Tratados de Direitos Humanos, sendo por isso visto como um país com características humanitárias e preocupado com a proteção aos direitos fundamentais. 

 Têm chamado atenção da comunidade internacional as graves violações aos direitos humanos ocorridas nos presídios brasileiros. As regras internacionais vêm sendo flagrantemente desrespeitadas, num total descaso das autoridades públicas. 

 O fracasso do sistema prisional não vem sendo tratado como prioridade pelo governo brasileiro, prova disso foi, dentre outras atitudes injustificáveis do ponto de vista da efetivação de mudanças, o cancelamento do encontro da ONU de especialistas sobre Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos, agendado para ocorrer nos dias 28 a 31 de janeiro de 2014. A apenas uma semana da realização do evento, o Brasil cancelou o encontro, que seria sediado no País e contaria com especialistas na área. 

 Lúcia Nader e José de Jesus filho, respectivamente diretora executiva do Conectas Direitos Humanos e Membro da Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária elaboraram uma carta externando sua insatisfação com o cancelamento do evento: 

 Tal cancelamento e com tão pouca antecedência é uma grande perda para a discussão sobre as questões prisionais mundiais que vinham avançando consideravelmente nos dois primeiros encontros realizados (a primeira reunião foi realizada em Viena e a segunda em Buenos Aires). Sendo que esse cancelamento acarretará grande prejuízo para o próprio processo de Revisão das Regras Mínimas de Tratamento do Preso. Ademais, para o próprio Brasil, em um momento tão delicado de sua história penitenciária, se fazia ainda mais importante que essa discussão fosse seriamente realizada com a participação de especialistas e autoridades de diversos países membros da ONU, o que ofereceria uma oportunidade para o Brasil repensar sua política penitenciária de modo mais aberto (grifo nosso).

 Lamentavelmente, o Brasil, não obstante demonstrar internacionalmente seu interesse em preservar e legitimar os direitos humanos, tem agido de forma imprudente quanto à questão da violência aos direitos fundamentais dos presidiários. Ressalte-se que tais violações afrontam gravemente a Constituição Federal, na medida em que a Carta Maior assegura, em seu artigo 4º, II, que o Brasil reger-se-á, em suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos, sendo a proteção a tais direitos, verdadeiro imperativo constitucional.

 Levanta-se, assim, uma problematização a respeito da posição brasileira frente a tão graves desrespeitos: a quem interessa que o país continue permitindo a falência do sistema prisional? Ainda não se consegue, com clareza, elucidar tal questionamento. Entretanto, é fundamental que o país adote posição enérgica e urgente diante desse quadro, sob pena de tornar-se o que visa combater: um Estado arbitrário e pouco preocupado com os direitos humanos.

 4 O tratamento dos presos e as violações aos documentos internacionais 

 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica, foi aprovada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969. Ao Pacto, o Brasil aderiu em 09 de julho de 1992, ratificando-o em 25 de setembro de mesmo ano. 

A Convenção traz em seu conteúdo diversas garantias aos direitos fundamentais, e nasce “reafirmando seu propósito de consolidar, neste Continente, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem”.

 Em seu artigo 11, o Pacto assegura a proteção da honra e da dignidade, afirmando que 'toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade' e ainda que 'toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ofensas'. 

 A Constituição Federal, em seu artigo 1º, também assegura a preservação da dignidade da pessoa humana, indistintamente, na medida em que tem como fundamento tal princípio. 

 Analisando os excertos, observa-se que em nenhum dos documentos há restrição de pessoas, não se vislumbrando qualquer termo que impeça os privados de liberdade de terem preservados sua honra e dignidade. 

 A superlotação carcerária tem sido uma das maiores violações aos direitos humanos dos presos no Brasil, sobretudo pelas péssimas condições dos compartimentos de clausura. Celas em que se amontoam dezenas de presidiários, sem o mínimo de conforto e higiene, conforme determinam tanto as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos quanto a Lei de Execução Penal Brasileira. 

 A quantidade de presos provisórios aguardando julgamento é fator decisivo na questão da superlotação carcerária. Essa categoria de detidos é alocada com os presos condenados, justamente por não se ter estabelecimentos suficientes para esse tipo de preso, o que acaba inflando as penitenciárias, em nítido desacordo com as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, em que os presos provisórios deverão ser mantidos separados dos condenados. 

 Curioso notar que o documento supramencionado é enfático ao determinar que os presos provisórios deverão ser mantidos separados dos condenados, o que não acontece na maior parte dos presídios brasileiros. 

 A seguir, será feita uma análise das principais violações aos direitos humanos dos encarcerados brasileiros, estabelecendo um comparativo entre os documentos internacionais e a prática processual e penitenciária. Ao final, analisar-se-á jurisprudência da Suprema Corte, em que se reconhecem graves violações aos direitos humanos de presos em caráter provisório. 

 5 A superlotação carcerária e a estrutura dos estabelecimentos como fator de violação aos direitos humanos

 Uma das graves violações sofridas pelos presos brasileiros advém da superlotação carcerária a que são submetidos. Celas pequenas, sem condições de albergar dignamente sequer cinco detentos, são ocupadas por quinze, ou até vinte deles, num flagrante desrespeito às condições mínimas estabelecidas, tanto na Lei de Execução Penal Brasileira, quanto nos documentos internacionais relativos à matéria. 

 A Resolução de 31 de agosto de 1955, que trata das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, além de pontificar que as celas ou locais destinados ao descanso notório não serão ocupadas por mais de um preso, fazendo ressalvas em casos especiais, traz regras para os locais destinados aos reclusos, que devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde. 

 O coordenador nacional da Pastoral Carcerária, Padre Valdir João Silveira, em entrevista à revista Carta Capital, enfatizou a violação aos direitos dos presos nesse aspecto: 

 No Brasil podemos comparar o presídio às senzalas. Há um perfil bem definido das pessoas que estão lá dentro. E se falarmos de condições dentro da prisão, estamos falando dos palanques que havia nas senzalas. Eu pergunto, então: como melhorar o palanque de tortura? Como melhorar a condição do palanque de tortura? Colocando um palanque de ouro, de ferro? Como vai ser isso? O presídio é um palanque de tortura como eram as senzalas, mas hoje das periferias e dos pobres. Se houvesse outro público lá dentro, podíamos não pensar nisso. Mas não tem como, é algo muito seletivo.10

 Valdir ainda complementa, afirmando que a instituição prisão, estabelecida para punir e ressocializar, está legitimando as violações perpetradas contra os encarcerados: 

 É a instituição [prisão] na qual se garantem as violações de diretos básicos da pessoa. Então, tudo o que vai a favor do direito de alguém é quebrado. A regra está ali para quebrar os direitos básicos da pessoa. A pessoa é presa para lhe ser retirada a liberdade de ir e vir. Todos os demais direitos são garantidos pela lei, porém todos acabam violados por essa instituição.11 

 A Resolução que estabelece as Regras Mínimas foi ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989, e destina especial atenção às acomodações dos reclusos. Dentre outros aspectos, assegura que os dormitórios deverão satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, que as instalações sanitárias deverão ser adequadas, e que os presos deverão ser separados por categorias. 

 Além disso, traz regras sobre o fornecimento de materiais para higiene pessoal, vestuário e roupa de cama, alimentação, e serviços médicos. Saliente-se que tais disposições constam na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), na Seção II. 

 No entanto, a realidade brasileira é bem diferente. Basta observarmos os relatos de ex-presidiários e agentes carcerários, para constatar que tais regras não são, nem de longe, cumpridas no sistema penitenciário do Brasil. Existem, inclusive, presídios em que os familiares dos detentos recebem informativos listando objetos em que precisarão levar aos encarcerados, em flagrante desrespeito às normas internacionais, especialmente à Resolução que trata das regras mínimas ao tratamento de reclusos, bem como à Lei de Execução Penal, que positiva claramente que é dever do Estado assistir materialmente o encarcerado. 

 6 Direitos humanos violados por agentes estatais e pelos companheiros de cárcere 

 A mencionada Resolução também traz limites à atuação do poder estatal frente à disciplina dos presidiários, determinando, dentre outros, que as legislações devam tratar sobre as infrações disciplinares dos presos:

 DISCIPLINA E SANÇÕES 

 A ordem e a disciplina devem ser mantidas com firmeza, mas sem impor mais restrições dos quais necessárias para a manutenção da segurança e da boa organização da vida comunitária. [...] Os seguintes pontos devem ser determinados por lei ou regulamentação: a) a conduta que constitua infração disciplinar; b) o tipo e a duração das sanções disciplinares que podem ser aplicadas e c) a autoridade competente para pronunciar tais sanções. [...] As penas corporais, a colocação em ‘segredo escuro’ bem como todas as punições cruéis, desumanas ou degradantes[...] A sujeição a instrumentos tais como algemas, correntes e ferros não devem ser usados como instrumentos de coação. 

 Tais regramentos funcionam como limites à arbitrariedade dos Estados no tratamento da indisciplina dos reclusos, em defesa dos direitos humanos em sua essência, que foi reconhecidamente instituído para limitar os alvedrios estatais, especialmente após o massacre da Guerra Mundial iniciada em 1939. 

 Destarte, a Lei de Execução Penal estabelece, em seu artigo 45, que ‘não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar’. 

 Importante ressaltar que as violações ocorrem, também, pelos próprios companheiros de cárcere, fruto de uma rivalidade interna dentro dos estabelecimentos prisionais, onde há uma lógica própria de funcionamento. Ilustrando tal realidade, a chacina ocorrida em 2013 no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, onde pelo menos sessenta presos foram assassinados pelos companheiros de prisão, por uma disputa de poder dentro do Complexo.

 Foi o que concluiu o Juiz coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), do CNJ, Douglas de Melo Martins, que relatou as condições de violação aos direitos humanos a que os presos estão submetidos, incluindo relatos de estupro dentro do complexo. O Juiz concluiu, ainda, que há ocorrência de tortura cometida pelos agentes estatais, afirmando que “o Estado tem se mostrado incapaz de apurar, com o rigor necessário, todos os desvios por abuso de autoridade, tortura, outras formas de violência e corrupção praticadas por agentes públicos”.

 7 Os presos provisórios e as violações aos direitos humanos 

 Uma grave violação aos direitos humanos bem presente no cenário prisional brasileiro é cometida face aos presos provisórios, que têm ultrapassado – em muito – seu prazo de prisão preventiva. Nesse ínterim, ficam – sem o aparato da lei e, portanto, ilegalmente – reclusos, aguardando julgamento em três, quatro e até quinze anos. 

 Há grave violação aos direitos humanos no que diz respeito ao excesso de prazo da prisão preventiva, pois fere o direito à liberdade do indivíduo, conforme ratifica o posicionamento do Supremo Tribunal Federal nos acórdãos sobre a matéria:

 Ementa: HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA. CARACTERIZAÇÃO. SITUAÇÃO INCOMPATÍVEL COM O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO (CF, ART. 5º, LXXVIII). CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a demora para conclusão da instrução criminal, como circunstância apta a ensejar constrangimento ilegal, somente se dá em hipóteses excepcionais, nas quais a mora seja decorrência de (a) evidente desídia do órgão judicial, (b) exclusiva atuação da parte acusadora, ou (c) outra situação incompatível com o princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da CF/88. Precedentes. 2. No caso, transcorridos mais de 4 anos sem que o paciente sequer tenha sido levado a júri, é de se concluir que a manutenção da segregação cautelar representa situação de constrangimento ilegal. 3. Ordem concedida, para que o paciente seja posto em liberdade, salvo se por outro motivo estiver preso. 

Pelo Acórdão referente ao Habeas Corpus 108929/PE o Supremo Tribunal Federal entende que violam os direitos humanos de preso provisório que tem a prisão com excesso de prazo, reformando a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem, com a alegativa de que o excesso de prazo se justifica na periculosidade do indivíduo. 

 O presente caso trata do excesso de prazo de uma prisão preventiva em que o acusado estaria quatro anos aguardando a sentença de pronúncia definitiva. O processo esteve parado por mais de 1 ano e seis meses. 

O Relator, Ministro Teori Zavascki decidiu no sentido de que a demora configura culpa exclusiva do Estado, para a qual o acusado não concorreu, e a manutenção da segregação cautelar configura constrangimento ilegal e viola a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica), em seu artigo 7º, que estabelece que ‘ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas’. A Constituição Federal assegura ao acusado o direito à ampla defesa e ao contraditório, antes que seja proferida a sentença, além de consignar o princípio da razoável duração do processo, institutos desrespeitados quando a prisão cautelar extrapola o prazo estabelecido. 

 Tal demora, além de violar o direito do preso, no caso o paciente do Habeas Corpus, viola indiretamente os direitos humanos dos demais encarcerados, tendo em vista que contribui para o aumento da superlotação. É só considerar-se que, se todos os presos provisórios demandassem prazos extensos para serem julgados e condenados, estaríamos diante de um caos dos estabelecimentos, já que os que poderiam, por lei, estar respondendo o processo em liberdade, não estão pela sobrecarga processual que assola o Judiciário. 

 8 Conclusão 

 O Brasil tem demonstrado interesse em seguir a corrente de reconhecimento e valorização desses direitos, ratificando inúmeros tratados de direitos humanos frente à Comunidade Internacional. Um dos mais importantes, a Convenção Americana de Direitos Humanos, subscrita pelo Brasil em 1992, trata de diversas matérias sobre direitos humanos, dentre as quais a proteção da honra e da dignidade, e dos direitos à vida e à integridade. 

 Não obstante à posição brasileira, o País tem sido palco de graves violações aos direitos humanos, especialmente dos indivíduos submetidos à privação de liberdade. Assassinatos, propagação de doenças, constantes lesões corporais cometidas pelos agentes estatais e por outros encarcerados, ocorridos dentro das unidades prisionais reforçam a conclusão de que o sistema penitenciário brasileiro encontra-se em grave crise. 

 Tal crise reflete nos índices de criminalidade, tendo em vista o alto grau de reincidência do país. Há muito o objetivo ressocializador não vem sendo atingido, e têm sido crescentes as discussões no sentido de buscar alternativas ao problema, inclusive com opiniões contrastantes, a exemplo da privatização dos presídios em contraponto à total extinção dos estabelecimentos prisionais. No entanto, os posicionamentos convergem num ponto: é urgente a necessidade de uma reforma. 

 Analisando a questão carcerária e as graves violações a que os apenados estão submetidos no Brasil, chega-se à pesarosa conclusão de que o sistema prisional brasileiro está em ruínas, necessitando de uma reforma urgente em todos os aspectos, desde a prisão do delinquente até o acompanhamento do egresso do sistema, procurando inseri-lo socialmente a fim de evitar que seja mais um número a aumentar as estatísticas da reincidência. 

 Aliem-se a estes o fato de que, devido à superlotação em grau elevado, celas com capacidade para abrigar no máximo cinco presos, são ocupadas por vinte deles, em condições absolutamente desumanas e precárias, contribuindo para a ocorrência de inúmeros tipos de violências, cometidas pelos próprios companheiros de cárcere, tais como física, sexual e psicológica. 

 Cria-se, assim, um ambiente favorável à reincidência, na medida em que o encarcerado passa a conviver dentro de um estabelecimento em condições subumanas, totalmente desprezado pelas políticas públicas e sem qualquer perspectiva quando adquirir novamente a liberdade. Restou demonstrado que as violações ocorrem de diversas maneiras, desde a estrutura dos estabelecimentos até a demora judicial em julgar processos de presos cautelares, o que acaba contribuindo ainda mais para a sobrelotação. 

 A Constituição de 1988 trouxe uma série de garantias aos brasileiros, e dessa categoria não estão excluídos os reclusos. No entanto, há que se reconhecer que direitos que vão além do direito à liberdade – este legitimamente restrito pela sanção penal – estão sendo gravemente desrespeitados, tais como o direito à vida, à saúde, à integridade física, à assistência material.

 Cabe, a partir dessa perspectiva, refletir-se a quem interessa manter os apenados brasileiros nas condições degradantes em que se encontram. O sistema penitenciário brasileiro vem sendo relegado a segundo, terceiro ou décimo plano, talvez pelo fato de que grande parte dos reclusos têm seus direitos políticos suspensos. Caso seus votos fossem computados nas eleições, certamente seriam vistos de forma diferente. 

A reforma necessita ser institucional e completa, desde a apreensão do delinquente, passando por seu tratamento nos estabelecimentos, assistência material, médica e judiciária, até sua saída. O papel do Judiciário é fundamental, necessitando que haja ampliação no número de Varas Penais, magistrados, promotores, defensores. Como restou demonstrado, a superlotação, que é fator de violação aos direitos humanos e forte incentivadora da reincidência, encontra, dentre outras, sua justificativa na morosidade processual, já que é alto o número de presos sem julgamento. 

 É importante que o Brasil se posicione de forma prática no sentido de coibir tais violações aos direitos humanos dos presos, na medida em que o próprio ordenamento pátrio, bem como os tratados internacionais sobre a matéria, conferem tais garantias aos encarcerados. Além disso, é necessário que haja uma mudança de mentalidade na sociedade como um todo, devendo-se abandonar a ideia de pena retributiva e do enclausuramento como pena paralela. 

 Deve-se, ao contrário, promover-se a implantação de métodos que reduzam os índices de reincidência, tais como o método APAC, que tem demonstrado a eficácia de se dispensar uma maior atenção ao presidiário, especialmente ao egresso do sistema prisional, aliando esforços da família, do Estado, da comunidade e do próprio segregado, que passa a vislumbrar uma inserção plena, ao sair da prisão. 

 É fundamental, ainda, estimular a visita de grupos de apoio, inclusive religiosos, dentro das penitenciárias, já que este trabalho promove a mudança de mentalidade e transformação de vida dos detentos, que passam a cultivar elementos espirituais.

 Para que se diminuam os índices de reincidência, é necessário trabalhar no sentido de transformar o preso. Conforme demonstrado, tal tarefa não é impossível. É necessário que a ideia do cárcere como pena paralela seja descartada, e que seja efetivo o acompanhamento de cada recluso. Além disso, os agentes estatais devem funcionar como garantidores dos direitos dos presos, e não o contrário. É imperioso que a sociedade acredite na possibilidade de inverter o atual quadro, onde os números da violência aumentam em progressão geométrica. 

 Travar uma espécie de guerra civil contra os delinquentes seguramente não resolve o problema. Tratar os ativistas dos direitos humanos como tutores de assassinos, também não. O que se pretende é a obediência aos direitos humanos, dos homens e para eles, independentemente de sua atuação social. Deve-se, sim, haver uma conjuntura de esforços no sentido de viabilizar a ressocialização do egresso, além de garantir o tratamento humanitário aos detentos.

Publicado por Anna Judith
Revista JusBrasil

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Lei da Palmada


Contra a absurda Lei da Palmada 

Você é a favor de que pais mantenham seus filhos em cárcere privado, sem água, comida e brinquedo, por dias a fio? Não? Então você tem que defender a proibição do castigo no quarto quando ele for malcriado. Colocar no quarto ou no cantinho é uma violência similar à do sequestro. 

Achou meio exagerado? É exatamente esse o raciocínio que justificou a Lei da Palmada, ou Lei do Menino Bernardo. Dar uma palmada é torturar; é violentar.  

No mundo real, por outro lado, palmada não é tortura e não traz danos às crianças. Como documentado, por exemplo, por Judith Rich Harris em The Nurture Assumption, as evidências a esse respeito em geral não controlam variáveis básicas (ex: influência genética, cultura do meio infantil do qual a criança participa, etc.) e descartam interpretações alternativas: crianças são mais violentas porque apanham mais ou apanham mais porque são mais violentas? 

Quando têm algum rigor, os resultados são fracos, e sempre do tipo: crianças que levam palmada podem ser um pouco mais briguentas. 

Mas veja: mesmo que haja algumas consequências negativas, nem por isso se segue que a palmada jamais deva ser usada. A necessidade de controlar a criança no presente pode justificar um pequeno desvio de comportamento futuro. (Ou por acaso é um dever moral deixar que os pimpolhos dominem o lar?) Esse tipo detrade-off é normal na criação dos filhos. 

Peguemos exemplos de outras áreas. Ao levar o filho para a praia ou para uma piscina, os pais estão conscientemente aumentando o risco de morte da criança. Mesmo assim, julgam que a diversão daquele momento justifica o risco. Ao levar o filho para a casa da avó pra passar a noite, os pais voluntariamente aumentam as chances de o filho morrer ou de ter sequelas pela vida toda (ao colocá-lo num carro) para que possam desfrutar uma noite a dois. É tão horrível assim? Não. É natural. 

Pequenos riscos e danos fazem parte da vida, e podem ser justificados por ganhos significativos em outras áreas. Da mesma forma, manter a paz no presente pode justificar um micro aumento da probabilidade de que o filho arrume briga no parquinho. 

A palmada é apenas uma alternativa para coibir maus comportamentos. Não é das melhores. Depender menos dela é bom. Aliás, quanto mais palmada se dá, menos eficaz ela se torna. Sua vantagem é ser uma punição imediata com baixo custo e alto poder de coibir malcriação. O castigo, a conversa séria, o "tirar brinquedos" também funcionam em diferentes contextos, mas todos exigem mais tempo e esforço dos pais, que às vezes estão exaustos demais. Às vezes, nada como uma boa palmada, ainda que não seja a ferramenta ideal. 

Palmada é como ter um pneu remoldado de estepe. Pior e menos seguro, mas, quando necessário, quebra um galho; melhor com ele do que sem. 

O ideal da criação sem palmada pode até ser admirado, mas na maioria dos casos não é realista e por isso não deveria em hipótese alguma ser obrigatório. A proibição só serve para abolir uma ferramenta dos pais, tornando a criação dos filhos algo mais cansativo, sem dar nada em troca. Com essas e outras neuroses perfeccionistas que assolam a relação entre pais e filhos, dá pra entender por que ninguém mais quer tê-los. 

A proibição depende de imaginar um mundo fantasioso da infância perfeita; trata-se de algo similar à mentalidade que proibiu a propaganda infantil (que, como todo mundo sabe de primeira mão, é coisa inofensiva). Nesse sentido, a escolha da Xuxa como garota-propaganda foi perfeita: uma eterna adolescente que vive num mundo de fantasias infantis e conta com serviçais para toda e qualquer tarefa; e cuja filha, aos 15 anos, ainda tem babá. 

O conteúdo da lei é só o começo dos problemas. É preciso implementar a proibição. E como é que a Justiça vai descobrir se a palmada ainda vigora nos lares? A princípio, é mais uma lei que não pegará. 

Ou será que o estado vai levá-la a sério? Nesse caso, e na ausência de Fiscais da Família visitando-nos toda semana pra interrogar as crianças (ainda é cedo pra isso — quem sabe em 2050), a única saída é estimular a cultura da delação. Seus vizinhos, seus parentes, seus conhecidos; não arrume confusão com eles, ou já sabe… 

Ensinamos as crianças a recorrerem à autoridade ao primeiro sinal de conflito, como se fosse um reflexo. Agora instaremos os adultos a fazê-lo também. Não é a primeira vez. Pode ter certeza de que interessa ao estado quebrar laços de confiança entre as pessoas. Quanto mais as pessoas confiam umas nas outras, menos o poder estatal é necessário. Já tivemos os Fiscais do Sarney, agora podemos ressuscitá-los, não para multar comerciantes, mas para arruinar famílias. Belo e moral! 

Entre a lei que não pega e a vigilância totalitária, minha mulher apontou uma terceira alternativa, e essa é minha aposta. Para o grosso das pessoas, a lei não vai pegar. A vida seguirá como sempre. O custo social da implementação é alto demais. Mas, de vez em quando, quando um conflito ou desavença surgir, a possibilidade de delatar a palmada às autoridades será mais uma opção do cardápio; mais uma tática possível no arsenal de militantes bem-intencionados ou vizinhos invejosos. Virá à tona especialmente em disputas virulentas pela guarda dos filhos. 

A Lei do Menino Bernardo entrará, assim, no rol das leis hipócritas: aquelas que ninguém espera que sejam seguidas, mas que continuam valendo quando convém. Como a Lei Seca. Desastrosa se aplicada de verdade, ela é aplicada arbitrariamente, de vez em quando. Sobrevive como um pequeno exercício de poder para ferrar a vida de algum azarado. 

Agora não há mais escolha: ou se opera no (suposto) ideal, ou se está quebrando a lei e pode-se perder a guarda dos filhos e até mesmo ir para a cadeia por um período de 1 a 4 anos. 

Mas me digam, o que será pior para uma criança: levar uma palmada no bumbum ou ser tirada à força de seus pais, dada aos cuidados da Assistência Social, ir e vir a tribunais familiares, e ser repassada a uma nova família? 

Sendo assim, todo mundo que levou palmada na infância tem agora apenas duas opções: apontar o dedo na cara da mãe e dizer que ela é uma criminosa e que deveria ter sido presa, ou protestar em alto e bom som contra essa lei imbecil.

Publicado por Nelci Gomes
Revista JusBrasil

O amor

Coríntios 13

1. Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. 

2. Ainda que eu tenha o dom de profecia, saiba todos os mistérios e todo o conhecimento e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei. 

3. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá. 

4. O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. 

5. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor.

6. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. 

7. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. 

8. O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará.

9. Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; 

10. quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. 

11. Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino. 

12. Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma com que sou plenamente conhecido. 

13. Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. 

O maior deles, porém, é o amor.


quarta-feira, 11 de junho de 2014

Lei que cria cota de 20% para negros no serviço público entra em vigor







Nova regra vale para administração federal e empresas ligadas à União. Texto foi publicado no 'Diário Oficial da União' desta terça-feira (10).



Entrou em vigor nesta terça-feira (10) a lei que reserva 20% das vagas nos concursos públicos da União para candidatos negros. A lei foi publicada no "Diário Oficial da União" desta terça, com efeito imediato e vigência pelo prazo de 10 anos.

A presidente Dilma Rousseff havia sancionado a lei na segunda-feira (9), no Palácio do Planalto, em evento que contou com a presença de personalidades negras.

A reserva de vagas valerá para concursos destinados à administração pública federal, a autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União, como Petrobras, Correios, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.

O texto não estende as cotas ao Legislativo, Judiciário nem a órgãos públicos estaduais ou municipais. O Senado, no entanto, decidiu instituir cota de 20% para negros e pardos nos concursos públicos e contratos de terceirização da Casa.

Autodeclaração

O texto da lei determina que, no ato de inscrição no concurso público, o candidato que queira concorrer pelo sistema de cotas deve se declarar de cor preta ou parda, de acordo com o quesito de cor e raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O candidato que se declarar negro concorrerá simultaneamente tanto às vagas destinadas à ampla concorrência quanto às cotas. Se o interessado for aprovado dentro do número de vagas oferecido para a ampla concorrência, sua vaga não será computada para preencher a reserva das cotas.

A nova regra prevê reserva somente em concursos públicos que ofereçam três ou mais vagas e não se aplicará a certames cujos editais tenham sido publicados antes da vigência da lei.

O texto também determina que os editais terão de informar de forma "expressa" o total de vagas correspondentes à cota para cada cargo ou emprego público oferecido.

 Declaração falsa

A lei prevê que, caso constatado que a declaração de negro ou pardo seja falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se já tiver sido nomeado, poderá ter sua admissão anulada e responder a um procedimento administrativo.

Após a cerimônia de sanção, a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, afirmou que não haverá comissão específica para apurar se a declaração do candidato é falsa. Segundo ela, o governo trabalha com a hipótese de que denúncias serão feitas por cidadãos e apuradas pelo Ministério Público, como ocorre atualmente quando alguém denuncia uma suposta declaração falsa de cota nas universidades.

Segundo a ministra, o governo estuda a elaboração de um parecer jurídico que deverá servir de base para que as denúncias sejam apuradas da mesma maneira. Luiza disse que a lei para concursos públicos está embasada na aplicação da lei de cotas universitárias. "Os negros não estão tomando o lugar dos brancos. O que nós estamos fazendo é seguindo o entendimento que muitos especialistas, magistrados, inclusive nas cortes superiores, têm no Brasil, de que, para você construir a igualdade, você não pode tratar os desiguais da mesma forma. Simplesmente é isso que está sendo feito", destacou a ministra.

Questionada sobre se há "contrassenso" por parte do governo federal ao sancionar a lei e ter somente um dos 39 ministros de Estado negro – ela própria –, Luiza afirmou que a lei poderá contribuir para ter mais negros indicados a cargos do chamado "primeiro escalão". "Na medida em que nós tenhamos uma presença maior de negros no serviço público, com um conjunto de possibilidades, teremos a chance de ter prováveis indicados para cargos mais altos, como secretários-executivos e ministros, mais do que temos hoje."

Indicação ao STF

O diretor-executivo do movimento Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), Frei David Santos, revelou que, após a cerimônia, entregou à presidente Dilma uma lista com nove nomes de negros para substituir o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que se aposentará. Segundo Santos, uma indicação assim seria "coerente".

"Para subsidiar a presidente na escolha do substituto, estamos lhe entregando uma primeira lista de candidatos negros, com notório saber jurídico, à vaga no STF. (...) Para que a presidente seja coerente com todo o esforço que tem apresentado em seu governo, incluindo a política de cotas, ela tem de indicar um negro para o lugar do ministro Joaquim Barbosa", disse.

'Contra a discriminação'

Durante a cerimônia de sanção no Planalto, da qual participaram líderes de movimentos negros, parlamentares, ministros e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Dilma afirmou que a lei representa uma vitória sobre a "luta travada contra a discriminação racial" no país.

A presidente voltou a afirmar que a Copa do Mundo, que começa nesta quinta-feira (12), representará a luta pela paz e contra o racismo. Ela também comparou a lei que institui as cotas no serviço público a uma lei semelhante para reserva de vagas nas universidades públicas. "Estou certa de que podemos, em um curto espaço de tempo, fazer a mesma avaliação positiva da lei de cotas no serviço público. As duas [leis de cotas no serviço público e nas universidades] expressam escolhas políticas inequívocas de um governo determinado a defender a igualdade racial como um valor maior na nossa sociedade."

Fonte: G1 globo.com
Revista Jusbrasil

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Senado aprova fim da revista íntima em presídios



Revista Intima Vexatória

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nesta quarta-feira (4) o Projeto de Lei do Senado 480/2013, relatado pelo líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), que visa acabar com as revistas vexatórias realizadas nos presídios brasileiros. O texto estabelece o uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais e de raio-x para o procedimento obrigatório de revista íntima para pessoas que queiram visitar presos em estabelecimentos penais. A proposta segue para a Câmara dos Deputados.

O senador explicou que atualmente, em muitos presídios do país, há um flagrante desrespeito aos visitantes de pessoas presas. Eles são obrigados, em muitos casos, a se despir, tocar em suas genitálias e efetuar esforços físicos repetitivos para comprovar a inexistência de algum objeto ilegal no corpo. 

"A revista será realizada com respeito à dignidade humana, sendo vedada qualquer forma de desnudamento, tratamento desumano ou degradante. Se for o caso de uma revista manual, com suspeita de porte de objetos proibidos, deve-se fazê-lo preservando a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada, sem haver desnudamento, total ou parcial", afirmou o parlamentar. 

Humberto avalia que, devido à falta de regulamentação em âmbito nacional, a revista pessoal tem gerado procedimentos diversos no país. "Muitos dos quais, além de ineficazes para coibir a entrada de objetos ilegais, geram humilhação aos visitantes do condenado", reforça. 

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA já se manifestou sobre o assunto. Em 1996, a instituição decidiu que a revista íntima é excepcional e somente pode ser feita em último caso. O projeto de lei, de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES), busca adequar esse entendimento à realidade brasileira. 

 Para o líder do PT, os próprios agentes penitenciários também terão a sua dignidade garantida, já que não serão mais obrigados a exigir a retirada da roupa de jovens, idosos e crianças - situação degradante para ambos. Assim, eles ainda evitam eventuais ações judiciais de indenização moral. 

Detectores de metais eletrônico.

Informações baseadas na assessoria de Humberto Costa
Diário de Pernambuco
JusBrasil