Direito Penal Militar
O saber técnico normativo acerca do Direito Militar, por essência, trata-se do conjunto de temas e previsões legislativas e disciplinares que regulam o sistema das Forças Armadas brasileiras e o das Forças Auxiliares, quais sejam: as policias militares e o corpo de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal. Militares são servidores públicos, lato sensu diferenciados pela Constituição Federal de 88 em relação aos servidores militares federais e os estaduais.
A natureza jurídica dos integrantes das instituições militares é peculiar e considerada de categoria especial de servidores públicos federais, dos Estados e do Distrito Federal, com regime disciplinar e funcional próprio, Tribunal e legislação de exceção particular. A função exige dedicação exclusiva, visto que o militar, não deixa de ser militar quando acaba o expediente, cuja especificidade é a restrição de alguns direitos civis constitucionais e sob permanente risco de vida.
Desde estas breves e necessárias considerações iniciais e entrando especificamente no tema disciplinar militar, deve-se considerar que é na Constituição Federal que se encontra delineada e definida a existência jurídica de um direito disciplinar militar, essencialmente sob a ótica da Emenda Constitucional 45/04 que alterou o artigo 125 e parágrafos, incluindo na competência da Justiça Militar Estadual o julgamento das ações judiciais contra e com origem em atos disciplinares militares.
Portanto, é de fundo Constitucional a tratativa do direito disciplinar militar e, também, ao reconhecer a existência de um “direito disciplinar militar” cabe discutir os limites dos atos disciplinares e as garantias aplicadas à tais punições.
Sem dúvida, um dos temas sempre desafiadores aos Policiais Militares que se veem envolvidos em Procedimentos Administrativos Disciplinares, tanto na condição de membro de Comissão Processante como na de indiciado, é exatamente o estabelecimento de critérios que possam servir de subsídios hermenêuticos para a ponderação entre os princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a estabelecer limites à discricionalidade.
O ato administrativo disciplinar é o posicionamento unilateral da vontade da Administração Pública Militar que, agindo nessa prerrogativa, tenha por finalidade a imposição de uma sanção disciplinar já previamente estabelecida. No entanto, dentro do atual ordenamento democrático de direito, toda e qualquer aplicação de penalidade, ainda que disciplinar, só está autorizada se observados dentro do processo apuratório, as devidas garantias constitucionais.
Decorre, portanto, desta lógica que o princípio da legalidade, como conquista irrenunciável da Modernidade estabelece o “governo das leis” em substituição ao “governo dos homens”, e é a condição necessária para serem reconhecidos limites ao poder político, sob pena de “império do arbítrio”. Entretanto, em sua face formal a mera legalidade conduz ao arbítrio e à ilegitimidade, razão pela qual, pressupõe que os motivos determinantes sejam razoáveis e o objeto do ato proporcional à finalidade declarada ou implícita na regra de competência, sobretudo quando a ordem política e jurídica são definidas pelo Estado Democrático de Direito, forma de organização de poder em que a titularidade de domínio é legitimada pelo povo em sua titularidade e em seu exercício segundo uma dinâmica que estabelece duas dimensões: a substancial – legitimidade - e procedimental – formas de legitimação -.
A legitimidade está associada à busca de concretização de fins e valores positivados e a legitimação vinculada às formas procedimentais estabelecidas pelos agentes do Estado e/ou governantes de forma a concretizar e renovar os valores e princípios pactuados na ordem constitucional.
Sob tal perspectiva, a atuação do Estado e seus agentes são legítimos quando exercem o poder de acordo com os valores, princípios e regras positivadas pelo Direito.
E é somente neste sentido que deve ser compreendido o princípio da legalidade, sob pena de exercício de poder ilegítimo, particularmente quando são consideradas as múltiplas e necessárias faces da democracia – princípio fundador, informador e impulsionador – do Estado e seus agentes, bem como as diversas normas e princípios decorrentes.
No ensinamento de JJ Canotilho[1] princípios são normas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos, enquanto que regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida, portanto, princípios são normas que devem ser realizadas ou/e garantidas ao máximo e é sob tal ótica que devem ser considerados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade na condução dos Procedimentos Administrativos Disciplinares.
O princípio da proporcionalidade impõe que os indivíduos não devem sofrer obrigações, sanções ou restrições em medida superior à necessária ao atendimento do interesse público.
Portanto, as decisões e a condução dos processos administrativos devem ser cuidadosas e equilibradas, tendo como critério a razoabilidade, ou seja, a adequação entre meios e fins – avaliação adequada custo/benefício, tendo-se sempre em consideração o custo social do resultado.
Em síntese, é do princípio da proporcionalidade que decorre a proibição do excesso – Übermassverbolt – e da falta ou de proteção deficiente – Untermassverbolt – o que exige do ato estatal adequação – aptidão a produção do resultado desejado -, necessidade ou exigibilidade – uso de meio menos gravoso e eficaz – bem como proporcionalidade em sentido estrito – relação meio/fins – no uso de medida restritiva.
Desde o horizonte da ordem constitucional brasileira, o princípio da proporcionalidade é o elemento restritivo para as medidas administrativas, proibindo-se todo e qualquer excesso.
Tal discussão assume relevância na esfera do Direito Militar ao observar-se que tanto o Código Penal Militar como o Código de Processo Penal Militar foram editados por meio de decreto-lei – uma espécie de norma amplamente utilizada durante o Regime Militar de Exceção implantado em 1964, quando a centralização de poder no Executivo acabou por autorizar a neutralização do Poder Legislativo o que se encontra definitivamente superado pelo Estado Democrático de Direito.
No entender de Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, o Estado deve, sob pena de responsabilidade, punir o servidor militar, obviamente. Mas isso, não pode significar, sob nenhuma hipótese ou justificativa que as decisões administrativas possam ter um caráter pessoal, sujeitando esse militar à mera vontade do seu julgador, que decide em alguns casos sem nenhum critério científico, muitas vezes com a finalidade pública totalmente desviada, confundindo claramente os conceitos de arbitrariedade e discricionariedade.
Nesse interim, em julgado recente do STJ (RMS 27.672 de 04.10.2012), o Ministro Sebastião Reis Junior em seu voto, sustentou que o Conselho de Disciplina havia decidido pela não ocorrência de nenhum crime por parte do militar (que no caso, foi excluído de igual forma) e por consequência, há evidente falta de coerência entre as proposições estabelecidas no Conselho de Disciplina e a decisão que excluiu esse militar. O acórdão que proveu o recurso do militar decretou a inexistência de conduta reprovável e anulou a exclusão do sargento em questão.
Portanto, via de regra, os regulamentos disciplinares militares estabelecem limites a serem observados pelo administrador militar para a aplicação das penalidades, que é, antes de tudo, um ato vinculado, com uma tendência cada vez maior jurisprudencial, doutrinária e disciplinar (visto a confecção de alguns regulamentos disciplinares estaduais recentes) que se posicione o administrador militar dentro de critérios cada vez mais objetivos, o que diminui gradativamente o grau de discricionariedade e arbitrariedade da autoridade competente para aplicação das penalidades disciplinares, aproximando o militar da ordem constitucional e reconhecendo o servidor militar como sujeito de direito e merecedor da proteção democrática.
“Não se abatem pardais disparando canhões” é do grande jurista alemão Jellinek (Em seu discurso no Simpósio sobre Direito de Polícia em 1791 na França) e é também o caminho de discussão sob a ótica despretensiosa de inesgotamento do presente tema, que buscou alocar a pena disciplinar, assim como as penas do processo penal comum e do processo penal militar em uma posição de dever de condicionamento e vinculação à uma finalidade, não só em observâncias aos princípios do direito administrativo, mas em coerência com a ordem democrática constitucional vigente.
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[1] CANOTILHO. José. Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª Ed., Ed. Almedina, 1993, p. 1161.
[ 2] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Direito Administrativo Militar – Teoria e Prática. Pg. 23
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Publicado por Herkert Napoleão.
Mariana Fernandes Lixa é advogada, sócia sênior da Herkert & Napoleão Advogados Associados, banca de advogados especializada em Direito Disciplinar Militar.
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