domingo, 15 de abril de 2018

União estável e namoro: qual é a diferença?

Por Schumacker Andrade 
Muita gente tem dúvidas sobre a união estável. Um namoro longo e mais sério se encaixa nessa situação? E uma relação curta, mas com filho? Ou só vale quando o casal vai morar junto? Quando, em caso de rompimento, uma das partes tem direito de partilhar os bens e receber benéficos?

O namoro é um relacionamento afetivo entre duas pessoas que não se caracteriza como entidade familiar, embora possa ser uma preparação para se constituir família. o namoro simples se enquadra em um relacionamento aberto, às escondidas ou sem compromisso, e não se confunde com a união estável. 

Já o namoro qualificado é aquele com convivência contínua, sólida, perante a sociedade, e que se confunde muito com a união estável pelos mesmos requisitos objetivos, quais sejam, ausência de impedimentos matrimoniais, convivência duradoura, pública e contínua. 

A diferença existente entre o namoro qualificado e a união estável é o requisito subjetivo, ou seja, a vontade de constituir família, a qual deverá ser consumada, pois além da existência da afetividade, a mesma se concretiza com a mútua assistência em que o casal seja referência de família no meio social. 

Vale ressaltar que a união estável é uma forma de constituição de família, é o que reza a própria CRFB este tema está claro no art. 226, § 3º temos que: É reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento" Já o namoro, não é considerada uma entidade familiar, pois não existe a affectio maritalis, que é a afeição conjugal ou o fito de se constituir família, embora estejam presentes algumas características como estabilidade, intimidade e convivência. 

E para diferenciar a união estável do namoro qualificado, é necessário que seja avaliado cada caso em especial, sendo necessária a presença concomitante de todos os requisitos para reconhecer a união estável, pois, exteriormente ambos se assemelham muito. 

Deve se atentar não apenas no vínculo afetivo, mas, principalmente, ao elemento interno do animus, que é a vontade de constituir família, através de características externas e públicas, como os compromissos assumidos na vida e no patrimônio, a coabitação, e em tese, o pacto de fidelidade, em que demonstram o entrelaçamento de interesses e vida. 

Não é apenas o ânimo interno mas também a aparência em fatos e atos da vida em comum. Essa é a linha tênue que separa o namoro da união estável. 

 As diferenças que norteiam ambos, causam consequências, ou seja, na união estável, os companheiros têm direito a alimentos, meação de bens e herança, enquanto no namoro, não existe esta possibilidade, exceto quando exista alguma contribuição financeira no futuro do casal, em que, com o fim do namoro, cause algum prejuízo de ordem material, podendo existir ressarcimento. 

 Na união estável a família já está constituída: há responsabilidades, obrigações e deveres recíprocos. Namorar não traz consequências de ordem jurídica. Com o fim do namoro não há partilha de bens (já que não há regime de bens instituído nesse tipo de relação), não há o dever de prestar alimentos reciprocamente ou direitos sucessórios (herança) e previdenciários. Já a união estável funciona como um casamento em todos os seus aspectos. Há deveres inerentes ao casal, abrangendo questões patrimoniais, além das afetivas. 

Tanto que se não houver um documento especificando o regime de bens escolhido pelos conviventes, entende-se que vigora o regime da comunhão parcial de bens, no qual presume-se o esforço comum para aquisição do patrimônio durante o relacionamento. Assim como quando um dos conviventes falece, o convivente sobrevivente tem direitos sucessórios e previdenciários. 

•Há casais que namoram por longos anos e não constituem união estável.
•Há casais que não demoram a estabelecer união estável logo após se conhecerem. 
•Há casais que vivem em união estável e residem em casas diferentes. Há diversos tipos de relacionamento, nem há como elencar todos. 

Porém, o que, realmente, difere o namoro da união estável, não é o tempo, a existência de filhos advindos da relação ou a aquisição de bens em conjunto ou separado, mas a real intenção de constituir família. 

Portanto, para que não haja confusões no futuro e não haja, especialmente, necessidade de se provar o que um relacionamento, de fato, significa/significou, é importante que o casal converse e se conheça o suficiente para determinarem juntos o que pretendem e, se for o caso, procederem à uma escritura de união estável, com a indicação do regime de bens. “O combinado não sai caro, o que sai caro é somente o que não se combina." 

Namoro x União Estável 

No entanto, nem todo namoro se transforma em união estável, mesmo depois de um tempo longo. A grande diferença entre as duas relações, segundo a lei, é a intenção de constituir família, que, na prática, representa um relacionamento semelhante a um casamento sem papel passado. 

Concubinato x União Estável A palavra concubinato, embora amplamente utilizada pelos profissionais do direito, sempre trouxe grande carga de preconceito. 

Nos dizeres de Maria Berenice Dias: "A expressão concubinato carrega consigo um estigma e um preconceito. Historicamente sempre traduziu relação escusa e pecaminosa, quase uma depreciação moral". 

Também Rodrigo da Cunha Pereira se manifesta nesse sentido: "Entre leigos, principalmente, a palavra concubina não denota simplesmente uma forma de vida, a indicação de estar vivendo com outra pessoa. Quando não é motivo de deboche, é alusiva a uma relação `desonesta`". E prossegue: "Nomear uma mulher de concubina é socialmente uma ofensa. 

É como se se referisse à sua conduta moral e sexual de forma negativa". Importante ressaltar que o próprio conceito etimológico da palavra concubinato, que descende do vocábulo latino concubinatus, já significava mancebia, amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo ou concubo (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa, copular, deitar-se com, repousar, descansar ter relação carnal, estar na cama. 

Assim, o legislador pareceu querer expurgar a carga de preconceito sobre a palavra concubinato, substituindo-a, na Constituição de 1988, pela expressão união estável. 

 Antes do atual texto constitucional, Moura Bittencourt empregava essas expressões como sinônimas: "Em poucas palavras, concubinato é a união estável no mesmo ou em teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si pelo matrimônio". O Código Civil de 2002, pela primeira vez, utilizou a palavra concubinato, buscando diferenciá-lo da união estável: "art. 1.727. 

As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato". 

 Portanto, concubinato não é mais sinônimo de união estável. A expressão união estável, adotada pela atual Constituição brasileira, veio substituir a expressão concubinato. Podemos dizer, então, que união estável era o concubinato não adulterino, ou puro. E o concubinato aquele adulterino, impuro ou desleal, que não recebeu proteção do Estado como uma forma de família, em razão do princípio da monogamia. 

Destarte, união estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não adulterina e não incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituíndo família sem o vínculo do casamento civil. 

Já o concubinato é a relação entre homem e mulher na qual existem impedimentos para o casamento. Afirma Zeno Veloso: "(...) a união estável é uma relação afetiva qualificada, espiritualizada, aberta, franca, exposta, assumida, constitutiva de família; o concubinato, em regra, é clandestino, velado, desleal, impuro". 

 Nas palavras de Álvaro Villaça Azevedo: "Tenha-se que o concubinato será impuro se for adulterino, incestuoso ou desleal (relativamente a outra união de fato), como o de um homem casado ou concubinado que mantenha, paralelamente ao seu lar, outro de fato"

Os direitos decorrentes do concubinato adulterino, ou simplesmente concubinato, não estão no campo do Direito de Família, mas na teoria das sociedades de fato, no direito obrigacional. 

 Assim, a competência para apreciar as questões envolvendo união estável é da Vara de Família, e a ação correspondente deve ser denominada ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Já a competência para apreciar questões envolvendo concubinato é da Vara Cível, e a ação correspondente é denominada ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato. O concubino não tem direito a alimentos, direitos sucessórios ou direito à meação. Repita-se: não se trata de entidade familiar, mas sociedade de fato. 

Apesar da diferenciação, a doutrina ainda faz grande confusão com os termos. Especificamente na linguagem dos tribunais, "concubinato" e "concubina" são expressões de largo uso, inclusive nos dias de hoje. Advertem-nos Flávio Tartuce e José Fernando Simão: "Como é notório, por muito tempo se utilizou a expressão concubinato como sinônima de união estável. Assim, a concubina seria a companheira. Entretanto, não se pode fazer tal confusão, principalmente no que diz respeito à pessoa que vive em união estável". 

Conforme preleciona Sílvio Venosa: "(...) é importante reiterar que o legislador do Código Civil optou por distinguir claramente o que se entende por união estável e por concubinato, não podendo mais essas expressões ser utilizadas como sinônimas, como no passado. Assim, recomendo o rigor terminológico na utilização dos vocábulos, já que cada um dos institutos ocasiona consequências jurídicas diversas. 

Morar junto é união estável? Para caracterizar uma união estável é preciso que haja conhecimento público de que o casal vive como uma família. Em outras palavras, para que haja a união estável, basta que as duas pessoas queiram estar juntas, estejam juntas e queiram permanecer juntas como se fossem uma família, e façam isso de forma pública. 

Como por exemplo, se Maria e José resolvem morar juntos e passam a agir como se fossem uma unidade familiar, aos olhos da lei eles estão em união estável. Outro fator determinante é a dependência econômica ou economia conjunta do casal. 

Além disso, as respectivas famílias devem considerar o casal num relacionamento bastante sério com respeito e fidelidade recíprocos e com domicílio comum. Mas, em alguns casos, a união estável pode existir mesmo quando o casal não mora junto. 

A esmagadora maioria dos casais que mantêm união estável vive sob o mesmo teto, mas o fato de não morar junto não é impedimento. Porém é preciso uma justificativa plausível para explicar que esse aspecto não descaracteriza a união estável. 

Diferença entre União Estável e Casamento Civil 

 Em relação aos direitos e deveres do casal, a união estável e o casamento civil se equiparam. A única diferença é que no casamento civil há mais formalidade, com a necessidade de habilitação prévia, prazos e a celebração por autoridade pública. 

Em caso de término da relação, os direitos de quem vivia uma união estável são os mesmos do casamento: direito à partilha de bens, conforme o regime adotado, e à pensão alimentícia, conforme as circunstâncias, devendo ser consideradas a idade das pessoas e sua qualificação profissional, bem como a capacidade de prover o próprio sustento. Havendo filhos, direito de visitação e obrigação de pagar alimentos. 

Direitos do casal sem filhos 

Outra dúvida comum diz respeito a ter ou não ter filhos, já que a intenção de constituir família é um dos pontos primordiais que caracterizam a união estável. 

Os filhos não são uma exigência e que tudo irá depender das demais circunstâncias em que o casal vive. Características como fidelidade recíproca e mútua assistência tanto pessoal quanto material são características mais importantes. 

Divisão de bens A orientação é que o casal, ao constituir uma união estável faça um contrato escrito no qual constará o regime de bens, que pode ser o da comunhão parcial (quando se comunicam os bens adquiridos após a união) ou da separação de bens (quando cada parte mantém independente o patrimônio que constituir ao longo da união). 

Nos casos em que não há nenhum contrato escrito, aplica-se à união estável o regime da comunhão parcial de bens. 

Outra possibilidade em casos de separação é haver um acordo entre as partes, fazendo a divisão de bens de comum acordo, sem necessidade de acionar a justiça. 

Dúvidas sobre União Estável 

Havendo divergência quanto à existência da união estável, é possível obter testemunhas de que o casal reunia os requisitos que a lei estipula. 

A prova poderá ser feita por meio de testemunhas ou demais circunstâncias que ocorreram durante o relacionamento, tais como fotos, viagens, bilhetes, cartas, e-mails, whatsapp, etc. Mas o ideal para reduzir o nível de conflito é que as pessoas que tenham união estável façam um contrato escrito, podendo contar com o apoio de um advogado de Família. 

Os custos são bastante acessíveis e podem ser de muita valia. Esse contrato pode ser particular e sem qualquer burocracia, sendo suficiente para preservar completamente os interesses do casal.

sábado, 10 de fevereiro de 2018





Sou eu… 
Espelho da lendária criatura 
Um mostro… 
Carente de amor e de ternura 
O alvo na mira do desprezo e da segregação 
Do pai que renegou a criação 
Refém da intolerância dessa gente 
Retalhos do meu próprio criador 
Julgado pela força da ambição 
Sigo carregando a minha cruz 
A procura de uma luz, a salvação! 

Estenda a mão meu senhor 
Pois não entendo tua fé 
Se ofereces com amor 
Me alimento de axé 
Me chamas tanto de irmão 
E me abandonas ao léu 
Troca um pedaço de pão 
Por um pedaço de céu 

Ganância veste terno e gravata 
Onde a esperança sucumbiu 
Vejo a liberdade aprisionada 
Teu livro eu não sei ler, Brasil! 
Mas o samba faz essa dor dentro do peito ir embora 
Feito um arrastão de alegria e emoção o pranto rola 
Meu canto é resistência 
No ecoar de um tambor 
Vêm ver brilhar 
Mais um menino que você abandonou 

 Oh pátria amada, por onde andarás? 
Seus filhos já não aguentam mais! 
Você que não soube cuidar 
Você que negou o amor 
Vem aprender na Beija-Flor.


Samba Enredo da Beija Flor de Nilópolis - 2018

terça-feira, 28 de novembro de 2017

A influência da recente Lei 13.509/2017 no cotidiano da Defensoria Pública


A comunidade jurídica foi surpreendida com as recentes alterações do Estatuto da Criança e do Adolescente com foco na modificação do procedimento de destituição do poder familiar. Infelizmente, o legislador não é coerente com seu trabalho legislativo e, dois anos após editar um Código de Processo Civil alinhado com a garantia do devido processo legal e do contraditório, caminha na contramão dessa tendência com a simplificação procedimental proposta pelas alterações do ECA. 

 É verdade que a proteção integral prevista na Carta em prol da criança e adolescente visa assegurar que todos os efeitos nefastos de abusos e sofrimentos impostos a essa parcela vulnerável sejam minorados pelos atores do sistema de Justiça. 

 No entanto, enquanto vivermos em um país marcado por desigualdades sociais, não nos parece que a garantia do contraditório efetivo mereça ser pisada, principalmente quando a alteração legislativa acarreta impacto significativo apenas em prejuízo da criança e seus genitores, ao argumento da famosa “celeridade processual”. 

 De início, vale uma breve análise ao novo parágrafo 4º do artigo 158 do ECA quando estatui que: “Na hipótese de os genitores encontrarem-se em local incerto ou não sabido, serão citados por edital no prazo de 10 (dez) dias, em publicação única, dispensado o envio de ofícios para a localização”. 

Uma das principais teses utilizadas pela curadoria especial na defesa do réu revel citado por edital era justamente a nulidade da citação em razão do não esgotamento dos meios de localização (a famosa expedição de ofícios de praxe). De acordo com a nova regra, está o juiz dispensado de fazer diligências nesse sentido, fragilizando ainda mais o contraditório e o devido processo legal. 

 É fato que o público-alvo de ações dessa natureza compreende as famílias menos abastadas da sociedade, que, por falta de assistência e amparo social, não são capazes de propiciar melhores condições de vida às crianças e adolescentes. Desde a falta de vagas em escolas, atendimento médico deficitário e ausência de projetos de inserção social, diversos são os obstáculos impostos a essas famílias.

 E, lamentavelmente, se percebe que o sistema de Justiça para esse grupo é implacável e nem sempre procura compreender a essência do problema familiar. Basta um passeio nas varas de Infância para se perceber a existência de personagens carregados de pré-julgamentos baseados em comparações pessoais, que optam pelo caminho mais fácil e menos tortuoso para si próprios, a separação dos pais e da criança, com sua consequente inserção em família substituta. 

 Notem que a regra do ECA contrasta com o parágrafo 3º do artigo 256 do novo CPC, que exige do juiz esgotar todas as tentativas de localização do réu, inclusive mediante requisição de informações nos cadastros de órgãos públicos e concessionárias de serviços públicos. 

 Acredito, inclusive, que a modificação legislativa vai de encontro ao artigo 7º do novo CPC quando determina que: "É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório". 

 Custo a crer que a expedição de ofícios de informação, especialmente na era digital onde as informações são trocadas em tempo veloz, possa, de algum modo, prejudicar o andamento da relação processual[1]. 

 Por mais que o artigo 227 da CRFB assegure a proteção integral da criança/adolescente, a família também merece a proteção do Estado (artigo 226), de modo que o dispositivo que facilita, desnecessariamente, a não participação dos genitores na relação processual contrasta com o dispositivo constitucional. 

 O que causa a morosidade do processo não é a expedição dos ofícios de praxe, mas os chamados tempos mortos do processo (fases internas de processamento cartorário, demora na apreciação judicial). Querer modificar o regime de citação por edital para acelerar a prestação jurisdicional é igualar-se ao marido traído que se livra do sofá de casa em vez de fazer uma autoavaliação de sua relação conjugal. 

 Outro ponto controverso da nova lei é o parágrafo 4º do artigo 162 do ECA. O dispositivo afirma que: "Quando o procedimento de destituição de poder familiar for iniciado pelo Ministério Público, não haverá necessidade de nomeação de curador especial em favor da criança ou adolescente". 

 Essa, talvez, foi uma das grandes lutas institucionais travadas entre o Ministério Público e a Defensoria Pública, considerando que, se o MP ajuíza a ação de destituição, ele é parte e, obviamente, está deduzindo pretensão que pode contrastar com os interesses da criança/adolescente[2]. 

 Desde outrora já se argumentava que a criança/adolescente não era parte nessa relação processual, o que afastava a intervenção da curadoria especial. Defendia também o Ministério Público que ele estava agindo no interesse da criança, o que também tornava despicienda a atuação da curadoria. Houve julgados do STJ nesse sentido e o Enunciado 22 da Súmula do TJ-RS. 

 Sempre acreditei que a ação de destituição é uma demanda complexa e, por envolver a relação familiar, constituía um litígio que atingia os genitores e a criança. Ora, se a demanda tem o condão de afastar o convívio dos pais com seus filhos, óbvio que a esfera particular da criança será atingida, razão pela qual haveria o interesse da sua participação na demanda. 

 Por mais que possa haver uma opinião ministerial no sentido de orientar a destituição do poder familiar em razão do tratamento conferido pelos pais à criança, inegável que, se a demanda interfere na esfera dos genitores e do infante, há necessidade de um curador especial para defender o seu melhor interesse, posto que a destituição proposta pelo MP pode não ser a melhor solução. 

 Haverá assim um desenho processual em que o Ministério Público autor litiga contra os genitores, postulando a sua destituição do poder familiar, e a figura da criança/adolescente, representada pela curadoria especial, que avaliará se a demanda ajuizada pelo órgão ministerial pode ser acolhida ou deve ser rejeitada, caso em que tutelará pela reinserção familiar, com a consequente improcedência do pedido. 

 Não é possível tratar a criança/adolescente como mero objeto do processo, mas, sim, como verdadeiro sujeito de direitos que possui interesses a serem levados em consideração. Tanto que, a nível jurisprudencial, a atuação da Defensoria Pública, na qualidade de curador especial, foi validada pelo Enunciado 235 da Súmula do TJ-RJ e alguns julgados do STJ - AREsp 298.526-RJ (aqui o tema não era pacífico). 

 Infelizmente, nosso legislador, atendendo interesses duvidosos, não optou pela participação democrática da curadoria especial. No entanto, pelo perfil constitucional da Defensoria Pública, de ser expressão e instrumento do regime democrático (dar voz e representação ao vulnerável) e de proteção dos direitos humanos, pode a Defensoria Pública se insurgir contra o referido dispositivo, embasando sua atuação nos artigos 8º e 9º da Convenção sobre os Direitos da Criança. 

 [1] Na exposição de motivos do projeto que deu ensejo à lei, afirma-se: “Ademais, são propostas mudanças relativas à citação em feitos de destituição do poder familiar que podem trazer ganhos em relação à celeridade e à efetividade processual”.

 [2] A exposição de motivos do projeto de lei demonstra como o Parlamento brasileiro desconhece as regras básicas de Direito Processual Civil, especialmente o conceito de partes, quando em relatório afirma-se que: “Se o procedimento de destituição de poder familiar for iniciado pelo Ministério Público, não haverá necessidade de nomeação de curador especial, já que nesses casos o Ministério Público não é parte e atua obrigatoriamente na defesa dos direitos e interesses de que cuida o ECA”. 


Franklyn Roger Alves Silva 
Revista Consultor Jurídico 
TRIBUNA DA DEFENSORIA

domingo, 15 de outubro de 2017

LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DAS REVISTAS ÍNTIMAS EM PRESÍDIOS

Direitos Fundamentais

Por Ingo Wolfgang Sarlet 

A controvérsia, ainda não inteira e satisfatoriamente equacionada, em torno da legitimidade jurídico-constitucional de revistas íntimas em estabelecimentos prisionais, segue atual e enseja uma série de questionamentos, seja no Brasil, seja em nível de direito estrangeiro e mesmo internacional, ainda que já exista legislação, doutrina e jurisprudência em relativa profusão sobre a matéria. 

De fato, não poderia mesmo ser diferente, visto que em causa está tanto a compreenso e interpretação/aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e de suas exigências traduzidas em um conjunto de direitos (princípios e/ou regras) fundamentais, quanto a sua confrontação com outros bens jurídicos constitucionalmente tutelados. Até mesmo a querela em torno do caráter absoluto ou relativo da dignidade da pessoa humana acaba por ser ativada nesse contexto, evidenciando ainda mais a complexidade teórica e prática do problema. 

Dada a diversidade de aspectos que poderiam ser aqui suscitados e comentados, calha adiantar que o foco da presente coluna é bem delimitado, ademais de não se pretender propor uma solução fechada, mas sim, colacionar alguns pontos e argumentos para municiar o debate sobre o tema. 

Assim, o que se busca problematizar é em que medida o caso das revistas íntimas em estabelecimentos prisionais se insere no contexto do assim chamado diálogo entre o direito internacional dos direitos humanos e a ordem jurídico-constitucional interna brasileira. 

Sendo mais preciso: partindo-se da premissa de que em matéria de proteção dos direitos humanos e fundamentais há de viger uma lógica não pautada pela hierarquia normativa (embora a orientação atualmente dominante no STF aponte em sentido diverso), mas sim, por uma metódica dialógica, de acordo com a qual se deveria aplicar o parâmetro normativo mais protetivo da(s) pessoa(s) humana(s) afetada(s) e envolvida(s) em determinado caso submetido ao crivo do Poder Judiciário, indaga-se a respeito da consideração (ou não) de precedentes dos órgãos jurisdicionais supranacionais pelos juízes e tribunais nacionais. 

Tal indagação, por sua vez, guarda estreita relação com a avaliação dos níveis de proteção assegurados pelo direito doméstico em face do internacional e da não aplicação no todo ou em parte de decisão (e/ou orientação) de Tribunal Internacional cuja jurisdição foi reconhecida por determinado Estado Constitucional, pelo fato de que os parâmetros do direito interno, em especial dos direitos fundamentais, se revela mais adequado e protetivo em determinadas circunstâncias. 

Se isso é, ou não, o caso quando se trata da legitimidade jurídico-constitucional das revistas íntimas em estabelecimentos prisionais no Brasil é o que se debaterá nesta coluna. 

Note-se que a Constituição Federal, como é o caso no direito comparado e internacional positivo e vinculativo internacional, não dispõe especificamente sobre o tema, de tal sorte que nessa perspectiva o parâmetro tem sido a compreensão e concretização legislativa e jurisprudencial (também pelos órgãos de caráter supranacional, aqui em especial do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos) do princípio da dignidade da pessoa humana e da correlata regra que proíbe todo e qualquer tratamento desumano e degradante, combinado com os direitos humanos e fundamentais à proteção da intimidade e da integridade física e psíquica dos detentos a qualquer título. 

No Brasil também se registram uma séria de atos normativos que regulamentam a matéria, mas em particular importa aqui anotar a Lei Federal 13.271/2016, já em vigência, que, na sua versão aprovada pelo Congresso Nacional, dispunha sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais". A teor do artigo 1º do referido diploma legal “As empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino”, dispondo, no artigo 2º, que a violação de tal vedação será sancionada da seguinte forma: I - multa de R$ 20 mil ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher; II - multa em dobro do valor estipulado no inciso I, em caso de reincidência, independentemente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal. Em relação às revistas íntimas em ambientes prisionais a versão original da Lei previa, no seu artigo 3º, que “Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos." 

Tal dispositivo foi objeto de veto presidencial, pelo fato de “A redação do dispositivo possibilitaria interpretação no sentido de ser permitida a revista íntima nos estabelecimentos prisionais. Além disso, permitiria interpretação de que quaisquer revistas seriam realizadas unicamente por servidores femininos, tanto em pessoas do sexo masculino quanto do feminino." Por tal razão, inexiste previsão legal específica em nível nacional que permita ou mesmo proíba expressamente a revista íntima em estabelecimentos carcerários brasileiros, o que, por si só, evidentemente não afasta a possibilidade de se justificar a sua vedação no todo ou pelo menos submetida a determinados critérios com base no marco normativo constitucional e internacional, tampouco impede necessariamente a criação e aplicação de atos normativos infralegais ou mesmo de legislação estadual sobre o tema. 

Nesse contexto, calha invocar a Resolução 5/2014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que (segue teor literal), “de acordo com regulamentação resolve recomendar que a revista de pessoas por ocasião do ingresso nos estabelecimentos penais seja efetuada com observância do seguinte: 

"Art. 1º. A revista pessoal é a inspeção que se efetua, com fins de segurança, em todas as pessoas que pretendem ingressar em locais de privação de liberdade e que venham a ter contato direto ou indireto com pessoas privadas de liberdade ou com o interior do estabelecimento, devendo preservar a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada. 

Parágrafo único. A revista pessoal deverá ocorrer mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raio-x, scanner corporal, dentre outras tecnologias e equipamentos de segurança capazes de identificar armas, explosivos, drogas ou outros objetos ilícitos, ou, excepcionalmente, de forma manual. 

Art. 2º. São vedadas quaisquer formas de revista vexatória, desumana ou degradante. 

Parágrafo único. Consideram-se, dentre outras, formas de revista vexatória, desumana ou degradante: 
I – desnudamento parcial ou total; 
II – qualquer conduta que implique a introdução de objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada; 
III – uso de cães ou animais farejadores, ainda que treinados para esse fim; IV – agachamento ou saltos. 

Art. 3º. O acesso de gestantes ou pessoas com qualquer limitação física impeditiva da utilização de recursos tecnológicos aos estabelecimentos prisionais será assegurado pelas autoridades administrativas, observado o disposto nesta Resolução. 

Art. 4º. A revista pessoal em crianças e adolescentes deve ser precedida de autorização expressa de seu representante legal e somente será realizada na presença deste”

Além disso, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça — colacionados em decisão da 3ª Câmara Criminal do TJ-RS no voto do Relator Desembargador Diógenes Hassan Ribeiro — [1], diversos estados já vedaram práticas de revista vexatória, como a “Paraíba (Lei Estadual 6.081/2010), Rio de Janeiro (Resolução 330/2009 da Secretaria de Administração Penitenciária), Rio Grande do Sul (Portaria 12/2008 da Superintendência dos Serviços Penitenciários), Santa Catarina (Portaria 16/2013 da Vara de Execução Penal de Joinville), São Paulo (Lei Estadual 15.552/2014), Espírito Santo (Portaria 1.575-S, de 2012, da Secretaria de Estado da Justiça), Goiás (Portaria 435/2012 da Agência Goiana do sistema de Execução Penal) e Mato Grosso (Instrução Normativa 002/GAB da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos)”[2]. 

Ademais disso, no mesmo julgado e no mesmo voto referido, foram invocados precedentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (caso 10.506), que dizem respeito a “revisões vaginais rotineiras das mulheres que visitam a Unidade 1 do Serviço Penitenciário Federal” na Argentina. Nas suas conclusões e tomando aqui de empréstimo a citação feita pelo Desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, a Comissão anotou o que segue: 

“93. Contudo, a Comissão deseja salientar que este caso representa um aspecto íntimo especial da vida privada de uma mulher e que o procedimento em questão, seja a sua aplicação justificável ou não, pode provocar angústia e vergonha profunda em quase todas as pessoas ao mesmo submetidas. Ademais, a aplicação do procedimento a uma menina de 13 anos pode resultar em grave dano psicológico, difícil de avaliar.  A Senhora X e sua filha tinham direito ao respeito de sua intimidade, dignidade e honra ao procurarem exercer o direito à família, apesar de um dos seus membros estar detido.Tais direitos só deveriam ter sido limitados no caso de uma situação muito grave e em circunstâncias muito específicas e, nesse caso, com o estrito cumprimento, pelas autoridades, das regras anteriormente definidas para garantir a legalidade da prática”. 

 À vista do sumariamente exposto o que se pretende aqui controverter é se a normativa referida e o precedente da Comissão Interamericana desautorizam qualquer modalidade de revista íntima em estabelecimentos prisionais no Brasil ou se exceções são admissíveis. 

Note-se que o precedente da Comissão não afasta a possibilidade da revista em determinadas circunstâncias (em caráter excepcional), mas refere-se a revistas gerais realizadas indiscriminadamente sem fundamento concreto em uma suspeita determinada e motivada por razões de segurança e necessidade, devendo observar os critérios da razoabilidade e proporcionalidade (a Comissão refere os dois critérios). Além disso, cuidava-se, no caso submetido à Comissão, de revista íntima realizada em menina de 13 anos, dependente da decisão adotada (no sentido de consentir com a intrusão) pela sua representante legal que a acompanhava na ocasião. Em síntese conclusiva, a Comissão estabeleceu que a) a legitimidade de uma inspeção vaginal deve ser absolutamente necessária para alcançar o objetivo legítimo no caso específico; b) não deve existir nenhuma medida alternativa; c) em princípio deve ser autorizada por mandado judicial e d) deve ser realizada por profissionais da saúde. 

O problema que aqui se coloca é, portanto, o de avaliar, com base na articulação necessária (e devida) dos parâmetros do sistema internacional (em especial do Interamericano) de Direitos Humanos e mediante uma interpretação sistemática da ordem jurídico-constitucional interna brasileira não apenas se a revista íntima em especial em pessoas do sexo feminino pode ser realizada e, caso afirmativa a resposta, em que circunstâncias. 

Antes de avançar, calha sublinhar que de acordo com reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a revista íntima para impedir o ingresso de entorpecentes e outros objetos que possam colocar em risco a segurança é constitucionalmente legítima. 

Nesse sentido transcreve-se a ementa que segue: 

 PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. ART. 33, CAPUT, C.C. ART. 40, INCISO III, DA LEI Nº 11.343/2006. INGRESSO DE ENTORPECENTES EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. ILICITUDE DA PROVA DECORRENTE DE REVISTA ÍNTIMA. INOCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. III - Não se configura a ilicitude da prova decorrente de revista íntima na qual se encontraram entorpecentes no corpo de denunciada, se tal procedimento não excedeu os limites do objetivo do ato, que é a garantia da segurança pública quando da entrada de visitantes em estabelecimentos prisionais. Em outras palavras, é possível a mitigação do direito à intimidade da pessoa, como na espécie, em benefício da preservação de outros direitos constitucionais igualmente consagrados, uma vez que não há, no ordenamento jurídico-constitucional, direitos fundamentais de caráter absoluto (MS n. 23.452/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 12/5/2000). IV - O direito à intimidade, portanto, não pode servir de escudo protetivo para a prática de ilícitos penais, como o tráfico de entorpecentes no interior de estabelecimentos prisionais, notadamente quando, em casos como o presente, há razoabilidade e proporcionalidade na revista íntima, realizado por agente do sexo feminino e sem qualquer procedimento invasivo (precedente). (HC 328.843/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 09/11/2015).

Em passagem do voto do ministro Felix Fischer no precedente acima referido, colaciona-se que:  

“Ademais, deve-se ressaltar que o direito constitucional tido por violado, na espécie, apenas poderia ser fundamento para o reconhecimento da ilicitude da prova obtida, na hipótese em que tal violação fosse grave o suficiente a fim de invocar a garantia constitucional, o que, da análise dos autos, não se verifica. [...] Contudo, entendo que tal não é a hipótese, em que, ao que se tem dos autos, "não houve invasão do corpo, mas imediata retirada da droga pela própria ré da vagina, quando constatadas as evidências da ocultação" (fl. 154), sendo a revista, inclusive, tendo sido realizada por agente do sexo feminino”. 

Considerando-se que o precedente da Comissão Interamericana não veda em si a realização de revistas íntimas, desde que excepcionais e submetidas a rigorosos critérios, o ponto nodal da controvérsia é em si o de definir em quais casos uma revista dessa natureza é admissível e como deverá ser o procedimento adotado para que seja juridicamente legítima e não venha a ensejar eventual ilicitude da prova obtida ou implicar o sancionamento dos agentes responsáveis por sua realização. 

Como é curial — e a própria Convenção Americana de Direitos Humanos assim como a Comissão e a Corte Interamericana assim o reconhecem — que mesmo os direitos à intimidade e privacidade, bem como os direitos à honra e à integridade física e psíquica não tem caráter absoluto, resta saber quando uma revista íntima estará ultrapassando os parâmetros de uma restrição legítima de direitos e importando em sua violação, em especial se não estará sendo também violada a própria dignidade da pessoa humana, em se configurando a figura do tratamento desumano ou degradante. 

Para o STJ tal não será o caso (ao menos é o que desponta do julgado colacionado) quando se tratar de verificar (a partir de fundada suspeita a partir de elementos concretos) da identificação e retirada de entorpecentes para coibir o tráfico de drogas nos estabelecimentos prisionais, não se cuidando de revista genérica ou mesmo aleatória e justificada por fins constitucionalmente legítimos. 

Da mesma forma, entende o STJ que não existe constrangimento ilegítimo que possa configurar violação da dignidade humana quando a revista é realizada por agentes femininos e é a própria revistada que retira, sem intervenção de terceiros, os objetos de sua cavidade vaginal. Além disso, quanto a necessidade de se utilizar outros meios menos invasivos (em respeito aos critérios da proporcionalidade) quando a fundada suspeita decorre precisamente da passagem por scanner e/ou detector de metais, a revista íntima (ainda mais quando não realizada por terceiros) estaria respeitando tanto os parâmetros supranacionais quanto o marco normativo interno. 

É de se acrescentar, todavia, que a o precedente do STJ deveria pelo menos — em se adotando entendimento favorável à realização excepcional e respeitados os limites estabelecidos na decisão — ser complementado no que diz com os requisitos para a aferição da legitimidade das revistas íntimas. Em especial há de ser consignado que no caso de recusa da mulher em concordar com a revista e retirar ela própria eventual objeto de sua cavidade vaginal — a retirada por terceiros deveria então ser submetida ao crivo da autoridade judicial e realizada por profissionais da saúde, tal como determinado pela Comissão Interamericana. 

O que se pode afirmar nessa quadra, é que o problema das revistas íntimas assume uma dimensão cada vez mais relevante inclusive pelo número de incidentes onde é feita no Brasil, de modo que urge avançar no equacionamento prudencial da questão, tanto no que diz com o aperfeiçoamento da legislação e estabelecimento de critérios (em nível nacional) legais vinculativos e razoáveis, quanto no que concerne a medidas de caráter pedagógico envolvendo tanto a população carcerária mas em especial a formação do pessoal que trabalha nos estabelecimentos prisionais. 

Além disso, há que aparelhar tais estabelecimentos de modo a viabilizar que as revistas sejam feitas efetivamente em caráter excepcional e de modo a cumprir com tais parâmetros. Quanto ao Poder Judiciário, cujo dever constitucional é o de assegurar a efetiva proteção e respeito aos direitos e garantias fundamentais, ainda mais quando em causa a dignidade da pessoa humana, espera-se que avance quanto ao tema e estabeleça uma jurisprudência constitucional e convencionalmente adequada e que faça jus ao seu papel de guardião da Constituição. 

Que não é nesta coluna que se fará um inventário completo das questões que o tema desafia e muito menos propor soluções fechadas é de ser novamente enfatizado. O propósito foi chamar a atenção dos leitores sobre o problema e provocar a reflexão. 
_________________________________________
[1] Apelação Crime 0018164-13.2017.8.21.7000, Rel. Des. Diógenes Hassan Ribeiro, julgada em 03.05.2017
[2] Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62079-nove-

Disponível em:

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

ADOÇÃO TARDIA: TRIBUNAIS DÃO VISIBILIDADE A CRIANÇA E A ADOLESCENTE

O Primeiro Caso de Adoção no Brasil aos 18 anos


O menino Thalisson, de 11 anos, que vive em um abrigo no Espírito Santo, interrompe a brincadeira, olha para a câmera e, sem hesitar, faz um pedido: “Eu queria ter uma família, ser adotado, dar amor, carinho e respeito. Você quer ser minha família?”. 

 O vídeo faz parte da campanha “Esperando por você” do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Será divulgado a partir de sexta-feira em diversos shoppings da região metropolitana de Vitória, dentro de uma estratégia de comunicação que envolve a produção de outros 20 videos pela justiça para estimular a adoção de crianças.

 Ações como essa eram impensáveis até poucos anos atrás, já que a exposição dessas crianças na sociedade sempre foi considerada um tabu. Agora, é uma iniciativa cada vez mais presente na Justiça de todo o país. Com isso, houve resultados significativos para inserir em uma família aquelas crianças que não tinham perspectiva alguma de serem adotadas, em geral pela idade avançada ou por terem alguma deficiência. 

Diversos Tribunais de Justiça (TJs) como os dos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Rondônia, Santa Catarina, entre outros, aderiram a ideia de que crianças e adolescentes devem ser mostrados e podem atuar na tentativa da própria adoção. 

O caso pioneiro e responsável por inspirar os demais ocorreu em 2015, quando os jogadores do Sport Club do Recife, time de futebol da capital pernambucana, entraram em campo para a partida contra o Flamengo de mãos dadas com crianças que vivem em abrigos em Recife à espera de adoção. 

A ação, que também contou com exibição de um vídeo das crianças na Arena Pernambuco antes do jogo, fez parte da campanha “Adote um pequeno torcedor”, desenvolvida por meio de uma parceria entre a 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital, o time Sport Club e o Ministério Público de Pernambuco. 

 As crianças e adolescentes se apresentavam, em vídeo, e contavam um pouco de sua vida, seus gostos e seu sonho de ter uma família. Como resultado, no dia seguinte ao jogo, a Vara de Infância e Juventude de Recife, o juiz Élio Braz, titular da 2ª Vara da Infância e Juventude da capital pernambucana, que organizou a campanha, recebeu dezenas de ligações de famílias de diversas regiões do país interessadas em adotar aqueles jovens. Assim, foram adotados 20 dos 43 adolescentes que participaram da campanha. 

Esse é meu filho! 
Willian, um dos adolescentes, foi adotado por uma família de Belo Horizonte/MG aos 18 anos – a mãe relatou ao juiz Élio que, após ver a imagem do garoto na televisão, teve a certeza: esse é meu filho! “A campanha ensinou que os jovens precisam ser protagonistas no processo de adoção, precisam ter voz, como determina o artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O jovem em abrigo não precisa ficar escondido, não cometeu nenhum delito, não está cumprindo pena”, disse o juiz Élio. 

Para ele, como a responsabilidade sobre esses jovens é de toda a sociedade, e o juiz tem a obrigação de mostrar essa realidade para a população. Essas crianças e adolescentes que participaram da campanha não haviam encontrado pretendente à adoção pelas vias tradicionais, em função do perfil publicado em cadastros oficias. 

A situação comum em diversas regiões do país em função da incompatibilidade entre o perfil das crianças e o desejado pelos país: em Pernambuco, por exemplo, cerca de mil pretendentes no cadastro, mas não demonstram interesse em adotar as 300 crianças que estão disponíveis. 

Para o juiz Élio, no entanto, a campanha demonstrou que é possível ocorrer uma mudança de paradigma, e que tabus e preconceitos em relação à adoção tardia, como o de que a criança já tenha um “comportamento viciado”, podem ser superados na sociedade. “Qual é mesmo o adolescente que não precise de uma atenção maior dos pais?”, indaga o magistrado. 

Jiló e pimenta 
Inspirados pelo bom resultado da campanha do Tribunal de Justiça de Pernambuco, a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA) do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) preparou a campanha “Esperando por você”, com objetivo de incentivar a adoção de 70 das 140 crianças que estão para adoção no estado, mas não tem nenhuma perspectiva de um pretendente. 

A equipe de comunicação do tribunal realizou vídeos e fotos dessas crianças e adolescentes que poderão ser vistos no no canal de youtube do tribunal e em exposições nos shoppings de cederam seu espaço em Cariacica, Vila Velha, Serra, regiões metropolitanas da grande Vitória. 

A exposição terá duração de uma semana em cada shopping e contará com um servidor do tribunal que ficará à disposição para explicar sobre os passos necessários para a adoção legal, além de conversar sobre mitos relacionados à adoção tardia. Inicialmente, a campanha envolve 20 crianças, todos já com alguma idade ou com alguma condição específica que dificulte a adoção, como uma deficiência física ou intelectual. 

“Eu gosto de pipa, videogame, sou bom estudante na escola, o terceiro melhor...e gosto de jiló, arroz, feijão, macarrão e pimenta”, dispara Thalisson, de 11 anos, em um dos vídeos, em que aparece cozinhando na instituição de acolhimento.

Já Kauan, de seis anos, corre e brinca com um cuidador que o define como um menino carinhoso, alegre e de uma vitalidade enorme, sempre disposto a dar um abraço. “Ele tem algumas limitações, mas é cheio de possibilidades e de desejo de viver em família. Quer ser amado e amar, só precisa de uma oportunidade. Para onde for, vai levar muita luz com ele”, diz a psicóloga Edivânia Pilon. Kauan passou praticamente a vida toda no abrigo e possui a Síndrome Alcoólica Fetal, um transtorno relacionado ao consumo excessivo de álcool na gravidez. 


 O site da Campanha do TJES estará no ar a partir de 15/5 com informações mais detalhadas das crianças participantes. De acordo com o psicólogo do CEJA do tribunal capixaba, Helerson Elias da Silva, nos Estados Unidos são comuns esse tipo de campanha de adoção. “Havia muito tabu em relação a mostrar esses jovens”, diz Helerson. Mesmo antes da campanha ser lançada, algumas pessoas visualizaram os vídeos no site do tribunal e já fizeram contato com interesse em adotar as crianças. 

Por que não eu? Chamada de "O que os olhos veem o coração sente", a exposição retratou a rotina de famílias com filhos adotivos e de crianças que estão aptas à adoção, com objetivo de pôr fim ao anonimato de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. 

Inspirados, também, pela campanha do Sport Club Recife, foi aberta, em janeiro, uma exposição fotográfica para dar visibilidade às crianças que esperam pela adoção no Mato grosso – a exposição começou em um shopping de Várzea Grande e seguiu para outros municípios. 

No Mato Grosso há 456 crianças e adolescentes que vivem em instituições de acolhimento, sendo que 62 deles estão aptos à adoção. 

A iniciativa da exposição fotográfica é da Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara), da Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Mato Grosso (OAB-MT) e do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca), com apoio do Poder Judiciário Estadual. 


Fonte: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84763-adocao-tardia-tribunais-dao-visibilidade-a-crianca-e-adolescente

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Sensacionalismo, pressa ou ignorância – a volta da cura gay



Até que ponto cabe à justiça deliberar sobre as práticas de saúde? 

Talvez você já tenha lido as manchetes dizendo que a justiça autorizou os psicólogos a tratarem a homossexualidade como doença. Não a colocaria na categoria de fake news (notícia falsa), mas é claramente junk news – a manchete simplifica muito a notícia, passando uma ideia superficial – e enviesada. Como ela tem aquele jeitão que rende muitos likes e compartilhamentos, não descarto que seja propositalmente assim. Mas como também o assunto é complexo, requerendo um aprofundamento que tomaria um tempo que nem todo site de notícia tem, podemos dar o benefício da dúvida – talvez ela só tenha sido escrita às pressas. Ou vai ver que ninguém entende nada do que está falando, o que é sempre uma possibilidade. 

Para compreender o caso: em 1999 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou uma resolução dizendo, essencialmente, que “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”

O objetivo era basicamente proibir psicólogos de oferecerem cura para a homossexualidade, que de resto nem é doença. Agora um juiz do Distrito Federal julgou uma ação popular que pretendia derrubar essa resolução. Em sua sentença, contudo, ele manteve a resolução. 

Quem lê-la verá que o juiz afirma com todas as letras que “a homossexualidade constitui variação natural da sexualidade humana, não podendo ser, portanto, considerada como condição patológica”. (leia: http://emais.estadao.com.br/blogs/daniel-martins-de-barros/wp-content/uploads/sites/168/2017/09/Decis%C3%A3o-Liminar-RES.-011.99-CFP.pdf). 

Apesar disso, diz não se pode “privar o psicólogo de estudar ou atender àqueles que, voluntariamente, venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura, preconceito ou discriminação”. Mantém, portanto, a resolução, mas determina que o CFP “não a interprete de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual(…)”. 

Resumindo: homossexualidade não é doença, os psicólogos eram proibidos de afirmar o contrário e continuam sendo proibidos. Também continuam sem permissão de divulgar tratamentos para curar gays. Só não estão mais proibidos de ajudar, forma privada, homossexuais que os procuram livremente querendo deixar de ser homossexuais. 

O pomo da discórdia é: o psicólogo poderia ou não tratar alguém que o busca para deixar de ser gay? O CFP entende que não, porque isso estigmatiza a homossexualidade como doença. 

O juiz entende que sim, porque cada um é livre para fazer o que bem entender, e se a pessoa quer mudar sua orientação sexual, deixemos seu psicólogo tentar. Eu mesmo fico dividido, mas por motivos bem diferentes. 

Por um lado acho que nenhum psicólogo deveria acolher essa demanda de seus pacientes, porque simplesmente não há evidências científicas que sustentem sua eficácia. Mas por outro, se a gente fosse proibir os profissionais de saúde de oferecer tratamentos não baseados nas mais sólidas evidências científicas, homeopatia, acupuntura, florais de Bach, quiropraxia, e a própria psicanálise deveriam ser banidas. Então deixo nas mãos do leitor. 

Quem chegou até aqui deve ter percebido que, muitas vezes, ao nos aprofundarmos numa questão complexa e com tantas nuances torna-se mais difícil – e não mais fácil – firmar uma posição. 

É muito mais simples compartilhar uma manchete nas redes sociais xingando-a ou a aplaudindo quando não sabemos bem do que se trata. 

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Por Daniel Martins de Barros
Psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC), onde atua como coordenador médico do Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (Nufor). Doutor em Ciências e bacharel em Filosofia, ambos pela Universidade de São Paulo (USP).

Disponível em: http://emais.estadao.com.br/blogs/daniel-martins-de-barros/sensacionalismo-pressa-ou-ignorancia-a-volta-da-cura-gay/

sexta-feira, 26 de maio de 2017

25/05 Dia da Adoção: Mais de 5,5 mil crianças aguardam pela adoção no Brasil

Gerando AMOR!

Exigências dos candidatos dificultam a adoção no Brasil. 

Apesar de ser um dos países mais miscigenados do planeta, o Brasil ainda não aceita as diferenças. Prova disso é a dificuldade de efetivação nos processo de adoção. Mesmo que existam mais pretendentes do que crianças disponíveis, a adoção no Brasil é dificultada pelas restrições impostas pelas pessoas que desejam adotar. 

 Como funciona a adoção no Brasil 

O primeiro passo para concretizar o sonho da adoção deve ser dado no núcleo familiar. O casal ou a pessoa que deseja adotar uma criança precisa calcular e planejar todos os detalhes que o ato envolve. 

É necessário pensar na qualidade de vida e segurança, nos possíveis acompanhamentos que a criança possa precisar e na própria capacidade de assumir a responsabilidade por uma outra vida. Contudo, isso pensado, é hora de iniciar a primeira etapa do processo de adoção no Brasil - a apresentação para a justiça. Procure uma Vara da Infância e Juventude e o Serviço Social. É lá que você deverá inscrever-se no CPA - Cadastro de Pretendentes à Adoção. É tempo também de entregar uma documentação inicial, por isso tenha todos os documentos preparados no dia. 

Você precisará apresentar ao Serviço Social comprovantes de residência e renda, atestados negativos de antecedentes criminais, certidões de nascimento ou casamento e cópias de RG e CPF. Os papéis são encaminhados ao setor técnico, que agenda entrevistas com psicólogos e assistentes sociais. 

O laudo é enviado ao Ministério Público, pois o sistema de adoção no Brasil exige liberação judicial. Com a habilitação finalizada, o pretendente entra para o banco de cadastro nacional e fica em uma lista de espera, até que uma criança com as exigências exigidas seja liberada processo adotivo. 

Os problemas da adoção no Brasil É difícil de acreditar que um país que possui cerca de 6 vezes mais pretendes à adoção do que crianças disponíveis sofra com problemas no processo adotivo. Mas é isso que ocorre no Brasil. “O que acontece é que a maioria dessas crianças disponíveis não são mais bebês, e a procura maior no país ainda é por bebês da cor branca”, comenta a psicóloga Rafaela Monteiro. Mas bebês da cor branca não são a maioria. 

As crianças disponíveis para a adoção no Brasil são em sua maioria pardas ou negras, além dos indígenas, que constituem uma minoria. Segundo o relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, das 5.544 crianças disponíveis no sistema brasileiro, 1.017 são negras e 2.668 são pardas. Apenas 1.804 são brancas.

Porém o mesmo relatório aponta que dos 32.033 pretendentes cadastrados, 9.083 aceitam somente crianças brancas. E, se não bastassem as exigências de raça, ainda há outros pontos que dificultam a adoção. “Crianças doentes também entram nessa perspectiva, pois essas são as que têm menos chances de serem adotadas”, afirma Rafaela. 

Outras características procuradas 

A idade, as ocorrências de doenças ou vícios por parte dos pais biológicos e o sexo são também bastante restritivos. Cerca de 10 mil pretendentes à adoção no Brasil só aceitam crianças do sexo feminino, por exemplo. Além disso, crianças que tenham mais de 6 anos são menos propensas a serem adotadas, sendo que o maior índice de disponibilidade está em adolescentes de 16 anos. 

“Uma nova cultura de adoção vem sendo difundida após o estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Onde a busca é no sentido de encontrar famílias para as crianças, e não o contrário. Muito ainda tem que ser feito - a caminhada é longa. A esperança que temos é que um dia isso mude e que nenhuma criança cresça em uma instituição, longe de uma família”, explica a psicóloga.

Adoção Monoparental

A Família Monoparental advinda da adoção é um ato de amor onde um homem ou uma mulher adota uma criança, construindo com ela laços afetivos. Tem expressa previsão legal, pois a pessoa pode adotar independentemente do seu estado civil.

 Adaptando-se a essa realidade, a nova lei de adoção, promulgada em 2009, trouxe em seu artigo 42, a possibilidade de adoção por pessoas maiores de 18 (dezoito) anos de idade, independentemente de seu estado civil. Este foi um grande avanço jurídico para a área do direito de família, uma vez que aumentou as possibilidades de colocação do menor em uma família definitiva, necessidade latente da nossa sociedade, onde as crianças e os adolescentes abandonados costumam permanecer por um período, excessivamente, longo nas casas de acolhimento institucional.


Mesmo com todo o amparo legal e a necessidade social, ainda hoje a pessoa solteira que deseja adotar uma criança ou adolescente encontra obstáculos. O paradigma que existe em relação às famílias tradicionais ainda é muito forte, alguns tabus e preconceitos ainda imperam, porém não devem ser mais fortes que a necessidade real que existe de pessoas capacitadas a adotar, cuidar e amar tantas crianças que passam anos intermináveis em casas de acolhimento.


Muitas pessoas não podem ou não querem manter um vínculo conjugal, porém isso não as impossibilita de tornarem-se pai ou mãe. As exigências que devem ser observadas por quem deseja adotar uma criança, como a estabilidade financeira, um ambiente hábil para receber um novo membro, entre outras, podem perfeitamente serem preenchidas por somente uma pessoa que deseje constituir uma família através da adoção.


Os operadores do direito devem lutar para dirimir os paradigmas existentes e buscar defender os interesses do menor, que certamente não é o de crescer dentro de lares de acolhimento onde é impossível receber o amor, a atenção e o carinho que somente uma família lhes poderá dar.

Fontes:
http://www.oestadoce.com.br/opiniao/adocao-monoparental
https://juridicocerto.com/artigos/mairaadvogada/familia-monoparental-557

 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A mitologia da Defensoria Pública e a violação da Lei de Execução Penal: algo sobre a superficialidade universitária e seus nefastos efeitos


Texto dedicado aos defensores públicos Fernanda Mambrini Rudolfo (SC), Roger Moreira (AM), Arthur Macedo (AM) e ao advogado Glen Wilde (AM) – estes últimos “combatentes” dos direitos humanos na tragédia carcerária de Manaus/AM (Jan. 2017) –, para, na pessoa deles, homenagear também todos os que se preocupam com a violação dos direitos humanos nos cárceres do Brasil.





 O mês de janeiro de 2017 foi marcado por tragédias carcerárias maculadoras da história da Execução Penal no Brasil. Nesse dramático cenário, o estudo sobre o direito da Execução Penal e sobre alternativas penais é deveras importante – recentes equívocos da administração carcerária demonstram bem tal importância.

 Em janeiro de 2017, a defensora pública em Santa Catarina, Fernanda Mambrini Rudolfo, no artigo “Defensoria Pública e o enfrentamento à síndrome do micropoder”, queixou-se do desconhecimento e da violação das prerrogativas do defensor público incidentes no cenário carcerário. Sim. Por desconhecimento dos poderes-deveres legais do defensor público, impediu-se atuação defensorial catarinense no sentido de reforçar a democracia e os direitos humanos no cenário do cárcere.

 Ao norte do país, o texto de Mambrini Rudolfo se revelou uma crítica necessária e profética: no dia 31 de janeiro, em Manaus/AM – cidade na qual foi registrado o primeiro grande massacre carcerário no primeiro dia do ano novo –, o defensor público especializado na defesa dos direitos humanos, Roger Moreira de Queiroz, foi “barrado” em sua pretensa participação garantista na “varredura” realizada na Cadeia Pública local (vide aqui).

 As questões se apresentam:

 – As autoridades que, de sul a norte, vetaram o acesso da Defensoria Pública ao sistema carcerário (des)conhecem as atribuições e prerrogativas legais do defensor público no sistema carcerário? – Acaso não saberiam que a Lei permite ao defensor público ingressar no estabelecimento prisional, inclusive sem prévio agendamento? É o que dispõe, por exemplo, a LC n. 80/1994, nos seguintes dispositivos: art. 4º-A, VII[1]; Art. 44, VII[2]; art. 89, VII[3]; art. 128, VI[4].

 – Acaso não saberiam que o defensor público tem voz e voto nos Conselhos Penitenciários? E que o Estado Defensor deve atuar e ter acesso a todas as dependências do estabelecimento prisional? Vide, por exemplo, LC n. 80/1994, art. 108, inc. II e IV.

 – Acaso não saberiam que a Defensoria Pública é órgão de execução penal, tais como são os juízes e os membros do Ministério Público? Nesse sentido, a solar clareza da Lei de Execução Penal – LEP (Lei n. 7.210/1984), art. 61, inc. II, III e VIII[5].

 – Acaso não saberiam que é dever defensorial visitar tais estabelecimentos e até mesmo requerer sua interdição em caso de violação de direitos? Com tal razão, a LEP, art. 81-B, V e VI[6].

 – Acaso não sabem que é missão legal e constitucional da Defensoria Pública tutelar os direitos humanos e segmentos vulneráveis necessitados de proteção frente ao Estado? Em tal linha de raciocínio, a LC n. 80, art. 4º-A, XI[7] e a Constituição, art. 134[8].

 Com efeito, o desrespeito às funções legais e constitucionais da Defensoria Pública decorre primordialmente em razão da superficialidade com a qual a instituição ainda é tratada no meio acadêmico. Não raras vezes, o estudo universitário sobre Defensoria Pública é limitado à percepção de uma “só” das funções da Defensoria Pública – a mais (re)conhecida: o mister de exercer função processual representativa similar à função do advogado privado, que a parte não teve condições financeiras de contratar.

 Geralmente, a aula jurídica – seja de Direito Processual (civil ou penal), ou ainda de Direito Constitucional (sobre funções essenciais à Justiça) –, na qual os professores citam a Defensoria Pública é marcadamente resumida da seguinte maneira: logo após mencionar o importante papel do advogado privado, surge o defensor público com função resumida ao atuar representativo de “advogado do pobre” (“necessitado econômico”), caso este não possa pagar um causídico. Em polo diverso a tais profissionais, os reais estudiosos do Estado Defensor – em seus aspectos históricos, sociais, legais e constitucionais –, sabem que a missão defensorial extrapola o referido atuar e surgem pontualmente enquanto foco de resistência à superficialidade…

 Tragicamente, o reducionismo narrado e repetido por décadas produziu professores e outros profissionais desconhecedores da Defensoria Pública em sua extensão, os quais lamentavelmente correm o risco de propagarem em sua prática uma superficial mitologia defensorial, a mesma que vitimou a Lei, a Constituição e os direitos humanos quando foi vetado o ingresso de defensores públicos em estabelecimentos prisionais.

 Que os mitos superficiais se desfaçam e o conhecimento se perfaça, pois – enfim –, o “senso comum teórico” precisa dar lugar à Ciência Jurídica e à prática social renovadora.

 Notas e Referências:

 [1] LC n. 80/1994, “Art. 4º-A São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (…) VII – comunicar-se, pessoal e reservadamente, com seus assistidos, ainda quando esses se acharem presos ou detidos, mesmo incomunicáveis, tendo livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento.

 [2] LC n. 80/1994, “Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União: (…) VII – comunicar-se, pessoal e reservadamente, com seus assistidos, ainda quando esses se acharem presos ou detidos, mesmo incomunicáveis, tendo livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento;”

 [3] LC n. 80/1994, “Art. 89. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios: (…) VII – comunicar-se, pessoal e reservadamente, com seus assistidos, ainda quando esses se acharem presos ou detidos, mesmo incomunicáveis, tendo livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento;”

 [4] LC n. 80/1994, “Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer: (…) VI – comunicar-se, pessoal e reservadamente, com seus assistidos, ainda quando estes se acharem presos ou detidos, mesmo incomunicáveis, tendo livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento;

 [5] LEP, “Art. 61. São órgãos da execução penal: (…) II – o Juízo da Execução; III – o Ministério Público; (…) VIII – a Defensoria Pública.”

 [6] LEP, “Art. 81-B. Incumbe, ainda, à Defensoria Pública: (…) V – visitar os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento, e requerer, quando for o caso, a apuração de responsabilidade; VI – requerer à autoridade competente a interdição, no todo ou em parte, de estabelecimento penal”.

 [7] LC n. 80/1994, “Art. 4º-A São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (…) XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;”

 [8] CRFB/88, “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.”




Texto: Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutorando em Direito Constitucional e Ciência Política (UNIFOR). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). Email: mauriliocasasmaia@gmail.com / Facebook: aqui.

Fonte: Empório do Direito