segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Trabalho prisional: da previsão legal à realidade carcerária brasileira



Além dos benefícios que estão previstos na legislação como remição, progressão de regime e outros, a maior importância do trabalho, está na reconquista da auto-estima, da ocupação do tempo e da capacitação que muito ajuda no momento da liberdade.





RESUMO

O estudo procura abordar a regulamentação do trabalho dentro da prisão a partir das regras da Organização das Nações Unidas e da Lei de Execução Penal. São apresentadas as dificuldades enfrentadas na realidade do Sistema Prisional, como a superlotação, a falta de interesse das empresas na mão-de-obra carcerária, a exploração do trabalho dos presos e a falta de investimentos e fiscalização por parte do governo. Aborda-se também a importância do trabalho na vida dos apenados, meio de ocupar o tempo, de aprender um ofício, formar a personalidade, manter o equilíbrio psicológico, como também, meio de adquirir os benefícios previstos na lei, tais como a remição, o livramento condicional e a progressão de regime. Conclui-se que o trabalho dentro da prisão traz benefícios aos apenados, porém é necessário que as determinações legais sejam aplicadas e que o preso tenha acesso a alimentação, higiene, saúde, educação e ambientes salubres que incentivem a mudança de vida, pois somente o oferecimento de trabalho não fará que, ao final da pena, os apenados estejam aptos a voltar à sociedade. O método utilizado para a realização da pesquisa é o dedutivo.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objeto o estudo do Trabalho Prisional a partir da análise das Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos da ONU (Organização das Nações Unidas) e da LEP - Lei de Execução Penal Brasileira (Lei 7.210/84). Objetiva-se investigar a realidade Carcerária Brasileira a fim de verificar o grau de aplicabilidade da Legislação vigente no que diz respeito ao Trabalho.

Impulsionaram a pesquisa os seguintes problemas: a) Como o trabalho prisional é regulamentado pela Legislação brasileira? b) Quais as dificuldades enfrentadas pelo Sistema Prisional no quesito oferecimento de trabalho aos apenados? c) Quais as influências, durante e após o cumprimento da pena, do trabalho prisional na ressocialização do preso?

Para tanto, serão estudadas as disposições legais sobre o trabalho na prisão, com uma abordagem ampla às normas da ONU e ao Capítulo III da LEP.

Em seguida será analisada a realidade do trabalho no Sistema Prisional Brasileiro, suas principais dificuldades e as oportunidades de trabalhos oferecidos aos apenados.

Finalmente, será abordado o papel do trabalho na vida dos presos, especialmente na questão da remição, ressocialização e não reincidência no crime.
 
1. DISPOSIÇÕES LEGAIS SOBRE O TRABALHO NA PRISÃO
 
O Trabalho no início dos tempos era considerado um castigo, o próprio significado da palavra Trabalho, do latim trapalium, indica suplício, tortura, sofrimento, condição inferior[1]. Entretanto no desenvolver da história da humanidade a idéia de Trabalho deixou de ser aquela em que trabalhar é algo para os não livres e passou a ser motivo de enobrecimento, uma atividade humana importante, passando a ser na atualidade uma questão de status social.

O Trabalho é um direito social dos apenados conforme artigo sexto da Constituição da República Federativa do Brasil.[2] Para Rosa[3] “embora o recluso seja um trabalhador de uma espécie peculiar – pois o Trabalho que executa é conseqüência de sua pena - a tendência é colocá-lo em igualdade de condições com o trabalhador livre, no que se refere à aplicação das leis sociais.”

Na prisão o Trabalho, não tem viés de castigo, é um direito que os possibilitará de serem úteis, não ficando na ociosidade e desenvolvendo habilidades que poderão ser úteis no momento da liberdade.

1.1 Regras Mínimas para o tratamento dos presos (ONU) 

Desde muito tempo as Organizações Internacionais, em especial a ONU, têm grande preocupação pela proteção e defesa dos Direitos Humanos e não é diferente quando esses humanos estão cumprindo alguma pena.

Podem-se destacar as várias Declarações e Tratados que versam sobre os direitos fundamentais do ser humano, no entanto ater-se-á aqui às “Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos”[4] adotadas pelo Primeiro Congresso da Organização das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas através da sua resolução 663 C (XXIV) de 31 de Julho de 1957 e pelo Conselho Econômico e Social através da resolução 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977.

Essas Regras Mínimas existem como parâmetro para a definição das leis nacionais a todos os Estados que são signatários da ONU.

A partir da Regra de número 71 até a 76 encontram-se várias disposições que buscam garantir aos apenados condições dignas de Trabalho dentro da prisão, como a proibição de trabalhos penosos, a adequação do Trabalho às aptidões físicas e mentais do condenado e Trabalho de natureza útil.

De acordo com a Regra 71-4, o “Trabalho proporcionado será de natureza que mantenha ou aumente as capacidades dos presos para ganharem honestamente a vida depois de libertados.” Complementa-se tal disposição com a Regra 72-1: “a organização e os métodos de Trabalho penitenciário deverão se assemelhar o mais possível aos que se aplicam a um Trabalho similar fora do estabelecimento prisional, a fim de que os presos sejam preparados para as condições normais de Trabalho livre”.

A proteção, segurança e saúde garantidas aos trabalhadores livres são também asseguradas aos que trabalham em estabelecimentos penitenciários, os quais devem indenizar os presos que porventura sofram algum acidente de Trabalho - é o que reza a Regra 74.

Já as regras 75 e 76 dispõem que as horas de Trabalho dos presos devem ser fixadas em lei e que estes têm direito ao dia de descanso e a tempo livre para a educação e outras atividades. O Trabalho deverá ser remunerado de uma maneira equitativa, sendo permitido que os reclusos utilizem parte da remuneração para adquirir objetos de uso pessoal ou que enviem à sua família; a administração da penitenciária deverá ainda constituir um fundo que será entregue ao preso quando ele for posto em liberdade.

A partir destas regras chamadas de mínimas, passar-se-á a analisar o que a Lei de Execução Penal Brasileira estabelece a respeito do Trabalho na prisão.

1.2 Lei de Execução Penal

No dia 11 de julho de 1984 foi promulgada a Lei 7.210, a conhecida LEP – Lei de Execução Penal, trazendo uma visão mais humana no que se refere ao Tratamento dos presos e ao seu processo de reabilitação. Observa-se que foi feita segundo as orientações da ONU, visando garantir aos apenados o tratamento baseado na dignidade da pessoa humana. Delmanto Júnior[5] ressalta que a LEP foi: “elaborada por juristas do mais alto nível, sobretudo humanístico, com sensibilidade e crença no potencial de recuperação do ser humano, desde que tratado com dignidade no cárcere.”

Encontram-se no Capítulo Terceiro da LEP as disposições relacionadas ao Trabalho no Sistema Prisional Brasileiro, que destaca o Trabalho como um dever social e uma condição da dignidade humana e que deverá ter finalidade educativa e produtiva. De acordo com o artigo 28 in verbis: “O Trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.”

Mais do que um dever, o Trabalho dentro da prisão é um direito do apenado, pois “através do Trabalho preencherá o vazio dos seus dias (...), fortalecerá seu caráter e sua personalidade, aprenderá algo, (...) mostrar-se-á útil perante si mesmo, seus colegas, a sociedade e sua família.”[6]

O Estado tem o direito de exigir que o preso trabalhe oferecendo condições dignas, e criando o hábito do Trabalho, que pode contribuir de várias formas, conforme leciona Arús[7]:
Do ponto de vista disciplinar, evita os efeitos corruptores do ócio e contribui para manter a ordem; do ponto de vista sanitário é necessário que o homem trabalhe para conservar seu equilíbrio orgânico e psíquico; do ponto de vista educativo o Trabalho contribui para a formação da personalidade do indivíduo; do ponto de vista econômico, permite ao recluso de dispor de algum dinheiro para suas necessidades e para subvencionar sua família; do ponto de vista da ressocialização, o homem que conhece um ofício tem mais possibilidades de fazer vida honrada ao sair em liberdade.
Para alcançar todos esses aspectos, é fundamental a aplicação do que dispõe o parágrafo primeiro[8] do referido artigo, pois o ambiente de Trabalho deve ser marcado pela higiene, asseio, imunização, aeração, precauções com a segurança e a saúde dos trabalhadores.

Destaca-se o Art. 41, III da LEP, que prevê o direito a Previdência Social, caso ocorra um acidente de Trabalho, o apenado deverá ter acesso a este benefício, já que essa eventualidade poderá diminuir sua capacidade laborativa ou até mesmo afastá-lo do Trabalho.

Já o parágrafo segundo[9] dispõe que o Trabalho dos apenados terá um regime diferenciado, pois não estará sujeito à Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, visto que sua natureza é outra, pois nasce junto com a pena. E esse regime garante alguns direitos e não oferece outros, gerando grandes discussões acerca das garantias trabalhistas dos apenados.

Parte da doutrina Brasileira entende que a LEP, quando fala dos direitos trabalhistas do preso, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista que a Carta Magna proíbe a discriminação entre os trabalhadores. A LEP estaria, pois, promovendo uma distinção entre o trabalhador livre e o encarcerado, no momento em que veda a aplicação das normas da CLT ao Trabalho prestado pelo apenado.

Por outro lado, existe o entendimento de que se todos os direitos trabalhistas assegurados aos trabalhadores livres forem garantidos aos trabalhadores presos, haveria um desestimulo no que tange a contratação da mão-de-obra carcerária.

Não cabe aqui desenvolver essas controvérsias, porém destaca-se a profunda análise de Baqueiro[10] enumerando os direitos que seriam garantidos aos presos conforme a Constituição Federal:
Portanto, o preso tem direito à assinatura da CTPS, remuneração, participação nos lucros da empresa, repouso semanal remunerado, férias remuneradas de 18 dias, adicional por hora extra, respeito pelas normas de higiene e saúde no Trabalho e recolhimento do FGTS. Acredita-se não serem devidos o direito à associação sindical, a aplicação das Convenções e Acordos Coletivos, seguro-desemprego, adicional noturno e o direito de greve. (grifo nosso)
Sabe-se que na realidade ainda não existe um consenso com relação a isso e que os trabalhadores apenados acabam contando com o mínino de direitos.

Segundo a leitura do artigo 29, “o Trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a ¾ do salário mínimo vigente”, pois o preso tem o direito de perceber remuneração em contraprestação à sua força física e psíquica desprendida. Assim sendo, irá receber um salário que seja adequado aos fins sociais a que seu labor se destina.

Em seu parágrafo primeiro[ ] determina a destinação do produto da remuneração, que deverá atender: a) a indenização pelos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais; d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nos itens anteriores .

Já o restante, conforme o parágrafo segundo deverá ser depositado para a constituição de pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado após o cumprimento da pena, pois ao ser colocado em liberdade é importante que o preso possua recursos com que possa manter-se até conseguir um Trabalho e envolver-se no convívio social.

Diante desta previsão pode-se dizer que há um incentivo para a realização do Trabalho, que não tem caráter de “forçado”, mas sim de caminho para alcançar a ressocialização. Difícil talvez seja alcançar todos os objetivos previstos para a remuneração, que é um valor mínimo e deve ser destinada a tantos fins.

Verifica-se que em seus artigos seguintes[11] a LEP continua a dispor sobre o dever do Trabalho, contudo destacando a importância da individualização da pena, tendo em vista que cada preso deverá desenvolver um Trabalho que corresponda às suas aptidões e capacidade, a sua habilitação, condição pessoal, necessidades futuras e oportunidades oferecidas pelo mercado.

Neste sentido, claras se tornam as lições de Mirabete[12]:
O Trabalho nas prisões (...) tem como finalidade alcançar a reinserção social do condenado e, por isso, deve ser orientado no sentido das aptidões dos presos, evidenciadas no estudo da personalidade e outros exames, tendo-se em conta também, a profissão ou o ofício que o preso desempenhava antes de ingressar no estabelecimento. Na medida do possível deve permitir-se que o preso eleja o Trabalho que prefere e para o qual se sinta mais motivado e atraído. (...) de tal modo que o preso se sinta realizado pelo prazer funcional sentido no processo laboral e pelo seu resultado.
Da mesma forma, os apenados idosos, doentes ou deficientes físicos devem exercer atividades laborais que se adaptem as suas circunstâncias pessoais.

Com relação à jornada de Trabalho, há a recomendação de que não seja inferior a seis nem superior a oito horas diárias, havendo descanso nos domingos e feriados. A importância desta disposição reside na recomendação de que os apenados tenham a mesma jornada que um trabalhador livre, a fim que obtenham disciplina e capacidade de rendimento que irá facilitar sua reinserção no mercado de Trabalho, quando postos em liberdade.

Com relação ao gerenciamento do Trabalho poderá ser feito por fundações ou empresas públicas que tenham autonomia administrativa que devem ter como objetivo do Trabalho a formação profissional do condenado.

A entidade gerenciadora está incumbida de promover e supervisionar a produção, como também encarregada de comercializá-la. Deverá suportar as despesas inclusive com a remuneração dos trabalhadores.

Poderá ser admitido o Trabalho externo somente em serviços ou obras públicas, para presos em regime fechado que preencham alguns requisitos: a) aptidão, disciplina e responsabilidade; b) cumprimento de um sexto da pena; c) autorização da direção do estabelecimento.

Há também a exigência de que o limite máximo do número de presos deve ser de 10% do total dos empregados da obra, para que os presos possam integrar-se com os demais trabalhadores, não surjam problemas como fuga, indisciplina, falta de controle e vigilância. Havendo comportamento não admitido em Trabalho externo, sua autorização será revogada.

Conforme destacado no início deste item, a Lei de Execução Penal tem um viés humanista, vendo no apenado um ser humano que precisa ser reintegrado na sociedade. Apresentadas as disposições da LEP sobre o Trabalho, far-se-á uma abordagem da realidade do Trabalho dentro do Sistema Prisional Brasileiro.

2 A REALIDADE DO TRABALHO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Percebe-se que as disposições da Lei são “perfeitas”, como se estivéssemos diante de uma fórmula que simplesmente precisa ser seguida para chegar-se a um resultado certo. Porém, a realidade do Sistema Prisional Brasileiro, como veremos, nem sempre consegue colocar cada coisa no seu lugar, e o resultado certo (reinserção do apenado) não é encontrado.
Neste sentido, destacar-se-á as dificuldades enfrentadas no cotidiano intramuros, especialmente no que diz respeito ao oferecimento de Trabalho aos apenados.

2.1 Dificuldades Enfrentadas
 
Abordar a realidade é falar das dificuldades e da situação caótica que se encontra no Sistema Prisional Brasileiro, pois a cada dia somos bombardeados por notícias, seja pela internet, jornais, televisão e outros meios de comunicação, que revelam grandes problemas: aumento da violência; grande número de presos; precariedade do cárcere; falta de estrutura; ausência de agentes preparados, entre outros.

Sobre esses problemas é que passaremos a discorrer.

2.1.1 Superlotação

A questao da superlotação é preocupante, pois existem cerca de 469.807 apenados em todo o Brasil[13], para cerca de 300.000 vagas, o que demonstra uma falta de 169.807 vagas.
Torna-se muito complicado trabalhar com questões como reeducação e ressocialização se não existem nem as mínimas condições de acomodação e higiene. Para Julião[14], “Os níveis de superlotação são absolutamente dramáticos e as condições sanitárias vergonhosas. Vestuário e artigos básicos de higiene pessoal, (...) são raramente distribuídos.”

Para Maia[15], a superlotação estimula o crescimento da delinquência e de comportamentos violentos:
A superlotação favorece o processo de desumanização, pois estabelece fatores de preconceito no tocante à delinquência; A vida carcerária tem no seu cotidiano a destruição social do preso, uma que o submete a um ambiente degenerativo, estimulante, e reprodutor da violência, sendo pedagógico não para a reeducação, mas para a constituição do comportamento violento.
Essa questão gera inúmeros outros problemas, especialmente no que diz respeito ao Trabalho dos apenados, pois se há falta de espaço para acomodação, como haverá espaço para o Trabalho?

Célia Regina Capeleti
Revista Jus Navigandi
 

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