sábado, 3 de março de 2012

Moral Estranha

"Credes que eu vim trazer a paz sobre a Terra? Não, eu vos asseguro, mas, ao contrário, a divisão; porque de hoje em diante, se se encontram cinco pessoas numa casa, elas estarão divididas umas contra as outras" (Lucas, cap. X,v, 34,35,36)

Não, não há blasfêmia nem contradição nessas palavras, porque foi ele esmo quem as pronunciou, e elas testemunham a sua alta sabedoria; somente a forma, um pouco equívoca, não exprime  exatamente o seu pensamento, o que fez com que se desprezasse seu sentido verdadeiro; tomadas ao pé da letra, tenderiam a transformar sua missão, toda pacífica, numa missão de perturbações e de discórdias, consequência absurda que o bom senso faz afastar, porque Jesus não poderia se contradizer.

Jesus vinha proclamar uma doutrina que solapava pelas bases os abusos os quais vinham os Fariseus, os Escribas e os sacerdotes do seu tempo; assim o fizeram morrer, crendo matar a ideia matando o homem, mas a ideia sobreviveu, porque era verdadeira; cresceu porque estava nos desígnios de Deus e, saída de um obscuro burgo da Judéia, foi plantar sua bandeira na própria capital do mundo pagão, em frente dos seus inimigos mais obstinados, daqueles que tinham maior interesse em combatê-la, porque ela derrubava as crenças seculares, que muitos tinham bem mais por interesse do que por convicção. Aí as lutas mais terríveis esperavam seus apóstolos; as vítimas foram inumeráveis, mas a ideia cresceu sempre e saiu triunfante, porque se sobrepunha, como verdadeira, sobre as suas predecessoras.

Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se entenderam sobre a interpretação das palavras do Mestre, a maior parte veladas sob a alegoria e a figura; daí nascerem, desde o início, as seitas numerosas que pretendiam, todas, terem a verdade exclusiva, e que dezoito séculos não puderam por de acordo. Esquecendo o mais importante dos divinos preceitos, aquele do qual Jesus havia feito pedra angular de seu edifício e a condição expressa de salvação: a CARIDADE, a FRATERNIDADE e o AMOR AO PRÓXIMO,essas seitas trocavam anátemas e se arrojaram umas sobre as outras, as mais fortes esmagando as mais fracas, abafando-as no sangue, nas torturas e nas chamas das fogueiras. Os cristãos, vencedores do Paganismo, de perseguidos se fizeram perseguidores; foi com o ferro e o fogo que plantaram a cruz do cordeiro sem mácula nos dois mundos. É um fato constatado nas guerras religiosas que foram as mais cruéis e  fizeram mais vítimas do que as guerras políticas, e que em nenhuma se cometeram mais atos de atrocidade e de barbárie.

Isso foi culpa de Cristo? Não, certamente porque ela condena qualquer formalmente toda violência. A responsabilidade não é, pois, da doutrina de Jesus, mas daqueles que a interpretam falsamente, e dela fizeram um instrumento para servir às suas paixões; daqueles que ignoraram estas palavras: "Meu Reino não é deste mundo".

Jesus, em sua profunda sabedoria, previa o que deveria ocorrer; mas essas coisas eram inevitáveis, porque só se prendiam à inferioridade da natureza humana, que não podia se transformar de repente. Seria preciso que o Cristianismo passasse por uma longa e cruel prova de dezoito séculos, para mostrar toda à sua força; porque, malgrado todo o mal cometido em seu nome, saiu dela puro; jamais foi posto em causa; a censura sempre recaiu sobre aqueles que dele abusaram; a cada ato de intolerância, sempre se disse: Se o Cristianismo fosse melhor compreendido e melhor praticado, isso não teria ocorrido.


Quando Jesus disse: Não creiais que eu vim trazer a paz, mas a divisão, seu pensamento era este:

"Não creiais que  a minha doutrina se estabeleça pacificamente, ela conduzirá lutas sangrentas, das quais meu nome será o pretexto, porque os homens não me terão compreendido, ou não terão querido me compreender; os irmãos, separados por sua crença, tirarão a espada um contra o outro, e a divisão reinará entre os membros de uma mesma família que não tiveram a mesma fé. Eu vim lançar fogo sobre a Terra para limpá-la dos erros e dos preconceitos, como se coloca fogo num campo para nele destruir as más ervas, e tenho pressa que ele se acenda para que a depuração seja mais pronta, porque desse conflito a verdade sairá triunfante; à guerra, sucederá a paz; ao ódio dos partidos, a fraternidade universal; às trevas do fanatismo, a luz da fé esclarecida. Então quando o campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que virá restabelecer todas as coisas; que dizer, em fazendo conhecer o verdadeiro sentido das minhas palavras, os homens mais esclarecidos poderão, enfim, compreender e pôr fim à luta fraticida que divide os filhos de um mesmo Deus. Cansados, enfim, de um combate sem resultado, que não arrasta atrás de si senão a desolação, e leva a perturbação até o seio das famílias, os homens reconhecerão onde estão seus verdadeiros interesses para este mundo e para o outro; verão de que lado estarão os amigos e os inimigos da sua tranquilidade. Todos então virão se abrigar sob a mesma bandeira; a da CARIDADE, e as coisas serão restabelecidas sobre a Terra, segundo a verdade e os princípios que vos ensinei".


"grifo meu."


Evangelho Segundo o Espiritismo.

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