sexta-feira, 28 de junho de 2013

O CORPO FALA







" Quando a alma entristece, o corpo adoece, e quando a boca cala, o corpo fala.
O nariz escorre quando não se permite chorar.
A garganta fecha... quando não consegue falar das aflições, a ansiedade impede de respirar.
O estômago arde quando a raiva surge e não consegue sair.
O diabetes invade quando a solidão dói...
A culpa adoece os rins!
Doenças pélvicas surgem de relacionamentos corrosivos.
O corpo engorda quando a insatisfação aperta e perde peso quando acaba o interesse.
Sentimentos negativos trazem a dor de cabeça que deprime.
A alergia é fruto da intolerância e do perfeccionismo.
As unhas quebram quando se perde a força. O peito aperta quando o orgulho escraviza.
O coração infarta quando não há como lidar com a ingratidão.
A pressão sobe quando o medo aprisiona.
As neuroses paralisam quando o “eu” tiraniza.
A febre surge quando a imunidade é ameaçada.
O coração desiste quando viver não faz mais sentido!
- O que adoece não é a só dor, a ausência, a saudade, mas também a eterna escolha do papel de vitima.
Em alguns casos, o mal pode estar no excesso de orgulho ou na necessidade de controle.
Tentar compreender o que de verdade nos aflige é um passo para começar a lidar com os problemas, antes de interiorizar as dores da alma. "

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 — Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1908) foi um escritor brasileiro, e é amplamente considerado como o maior nome da literatura nacional. Escreveu em praticamente todos os gêneros literários. Foi poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista e crítico literário. Testemunhou a mudança política no país quando a República substituiu o Império e foi um grande comentador e relator dos eventos político-sociais de sua época




Nascido no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, de uma família pobre, mal estudou em escolas públicas e nunca frequentou universidade.Os biógrafos notam que, interessado pela boemia e pela corte, Machado lutou para subir socialmente e ganhar respeito como intelectual. Para isso, assumiu diversos cargos públicos, passando pelo Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas, e conseguindo precoce notoriedade em jornais onde publicava suas primeiras poesias e crônicas. Em sua maturidade, reunido a colegas próximos, fundou e foi o primeiro presidente por unanimidade da Academia Brasileira de Letras.
Sua extensa obra constitui-se de dez romances, dez peças teatrais, mais de duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas.

 Machado de Assis é considerado o introdutor do Realismo no Brasil, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), um livro extremamente original , pouco convencional para o estilo da época.
 Este romance é geralmente reconhecido como uma de suas obras-primas, ao lado das produções posteriores Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires. As quatro obras costumam ser vinculadas ao que se chama de sua segunda fase, em que se notam mais traços de pessimismo e ironia, embora se preservem resíduos de sua primeira fase, a romântica. As obras geralmente mais elogiadas da segunda fase são as da Trilogia Realista. Sua primeira fase literária é constituída de obras como Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia, onde se notam características herdadas do Romantismo, ou "convencionalismo", como preferem alguns críticos contemporâneos.


Sua obra foi de fundamental importância para as escolas literárias brasileiras do século XIX e do século XX. Atualmente, continua despertando grande interesse em leitores comuns e no mundo acadêmico. Machado influenciou grandes nomes das letras, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Drummond de Andrade, John Barth e Donald Barthelme. Durante sua vida, alcançou relativa fama e prestígio pelo Brasil, mas não era popular fora do país. Hoje em dia, por sua originalidade temática e por seu estilo inovador, é frequentemente visto como um escritor de características sem precedentes no Brasil. Há décadas, sua obra tem alcançado diversos críticos, estudiosos e admiradores no mundo inteiro. O crítico Harold Bloom considerou Machado de Assis um dos grandes gênios da história da literatura, ao lado de autores como Dante.
É o fundador da cadeira nº. 23, e escolheu o nome de José de Alencar, seu grande amigo, para ser seu patrono. Por sua importância, a Academia Brasileira de Letras passou a ser chamada de Casa de Machado de Assis.

Dizem os críticos que Machado era "urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cínico, ignorou questões sociais como a independência do Brasil e a abolição da escravatura. Passou ao longe do nacionalismo, tendo ambientado suas histórias sempre no Rio, como se não houvesse outro lugar.  A galeria de tipos e personagens que criou revela o autor como um mestre da observação psicológica.  Sua obra divide-se em duas fases, uma romântica e outra parnasiano-realista, quando desenvolveu inconfundível estilo desiludido, sarcástico e amargo. O domínio da linguagem é sutil e o estilo é preciso, reticente. O humor pessimista e a complexidade do pensamento, além da desconfiança na razão (no seu sentido cartesiano e iluminista), fazem com que se afaste de seus contemporâneos."

Em 1975, a Comissão Machado de Assis, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura, organizou e publicou as Edições críticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes.
Seus trabalhos são constantemente republicados, em diversos idiomas, tendo ocorrido a adaptação de alguns textos para o cinema e a televisão
Há décadas, sua obra tem alcançado diversos críticos, estudiosos e admiradores no mundo inteiro. O crítico Harold Bloom considerou Machado de Assis um dos grandes gênios da história da literatura, ao lado de autores como Dante, Shakespeare e Camões.


Minha obra preferida:

As botas

"São as botas. Botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar.

Mortifica os pés, desgraçado; desmortifica-os depois, e aí tens a felicidade barata.

Eu sentia isso também em relação ao amor, eu sabia que o meu coração logo iria descalçar as suas botas e por umas chinelas."
 ...

"Não tive filhos não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria."


         [Frase final de Memórias Póstumas de Brás Cubas,1881]



BIBLIOGRAFIAS:
  • Comédia
Desencantos, 1861.
Tu, só tu, puro amor, 1881.
  • Poesia
Crisálidas, 1864.
Falenas, 1870.
Americanas, 1875.
Poesias completas, 1901
  • Romance
Ressurreição, 1872.
A mão e a luva, 1874.
Helena, 1876.
Iaiá Garcia, 1878.
Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881.
Quincas Borba, 1891.
Dom Casmurro, 1899.
Esaú Jacó, 1904.
Memorial de Aires, 1908.
  • Conto
Contos Fluminenses,1870.
Histórias da meia-noite, 1873.
Papéis avulsos, 1882.
Histórias sem data, 1884.
Várias histórias, 1896.
Páginas recolhidas, 1899.
Relíquias de casa velha, 1906.
  • Teatro
Queda que as mulheres têm para os tolos, 1861
Desencantos, 1861
Hoje avental, amanhã luva, 1861.
O caminho da porta, 1862.
O protocolo, 1862.
Quase ministro, 1863.
Os deuses de casaca, 1865.
Tu, só tu, puro amor, 1881.
  • Algumas obras póstumas
Crítica, 1910.
Teatro coligido, 1910.
Outras relíquias, 1921.
Correspondência, 1932.
A semana, 1914/1937.
Páginas escolhidas, 1921.
Novas relíquias, 1932.
Crônicas, 1937.
Contos Fluminenses - 2º. volume, 1937.
Crítica literária, 1937.
Crítica teatral, 1937.
Histórias românticas, 1937.
Páginas esquecidas, 1939.
Casa velha, 1944.
Diálogos e reflexões de um relojoeiro, 1956.
Crônicas de Lélio, 1958.
Conto de escola, 2002.
  • Antologias
Obras completas (31 volumes), 1936.
Contos e crônicas, 1958.
Contos esparsos, 1966.
Contos: Uma Antologia (02 volumes), 1998

Fontes:
  • Wikipédia
  • Projeto Releituras
  • Site da Academia Brasileira de Letras








segunda-feira, 10 de junho de 2013

ESTÓRIA DE TRANCOSO

 
 
 
FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
 

É preciso mais fé; Quando a dor bater no peito; Vá à luta, vá a pè!
Bernardo Trancoso

 
 
                             Não faz muito tempo que os nossos pais contavam estória de trancoso para os filhos. Ficávamos de boa aberta ouvindo todos os detalhes de cada estória. Uma vez eles contaram que um pobre casal jovem, casados recentemente, era tão pobre que vivia exclusivamente de favores em um sitio do interior do nordeste brasileiro. De modo que um determinado dia o jovem esposo fez uma proposta a sua esposa, afirmando que ia sair de casa, iria viajar para um lugar bem longe, ia tentar arranjar um emprego e trabalhar em qualquer tipo de serviço até ter reais condições para regressar e poder oferecer uma vida social e familiar condigna e confortável e sua mulher. E continuou dizendo que não sabia quanto tempo ia ficar longe de seu amor e de sua casa, só pedia uma coisa, que a esposa o esperasse e enquanto ele estivesse viajando, fora de casa que ela seja fiel a ele, inclusive ele prometeu também que iria ser fiel a ela enquanto estivesse fora de casa.
 
                               Chegou o dia da partida, o jovem esposo cumpriu o prometido e foi embora, saiu de casa a procura de um trabalho. Saiu estradas afora a pé e andou muitos e muitos dias, de modo que conseguiu chegar em uma fazenda que precisava de contratar um empregado para ajudar nos trabalhos corriqueiros da propriedade rural. E o jovem esposo apresentou-se ao fazendeiro e disse que estava precisando trabalhar e o mesmo foi admitido. Em seguida pediu ao patrão para fazer um “trato” e ou “pacto”, no sentido de que “me deixe trabalhar pelo tempo que eu quiser e quando eu achar que devo ir embora, o senhor me dispensa das minhas obrigações”, e continua enfocando os termos de seu trato dizendo que “eu não quero receber o dinheiro de meu salário mensal. Peço que o senhor o coloque na caderneta de poupança, até o dia em que eu tiver que ir embora de sua fazenda” e concluiu a formalização de seu pacto que “no dia que eu sair de sua fazenda o senhor me dará o meu dinheiro e que sigo o caminho de volta para reencontrar minha amada esposa”. Assim sendo o patrão concordou plenamente com o empregado. O que se sabe é que o jovem esposo trabalhou mais de vinte anos, nunca tirou férias e muito menos teve descansos semanais. De modo que depois de vinte anos de labuta a duras penas, procurou o patrão e disse “meu senhor, quero receber o meu dinheiro do tempo aqui trabalhado, conforme o “trato” ou “pacto” que fiz com o senhor, pois, estou voltando para minha casa para reencontrar minha querida esposa”, e o patrão lhe disse “tudo ótimo, afinal foi feito o “trato” e ou “pacto” e o mesmo vai ser cumprido integralmente, assim como você cumpriu sua palavra e trabalhou durante esse tempo todo aqui em minha fazenda, porém, antes de tudo, vou fazer-lhe uma proposta interessante, está bem? Vou dar-lhe todo o seu dinheiro com juros e correção monetária e você vai embora ou então lhe darei três conselhos e não lhe darei o seu dinheiro e você assim mesmo vai embora de bolsos vazios. Veja que se eu lhe entregar o seu dinheiro, eu não lhe darei os conselhos e se for dado os conselhos não darei o dinheiro. Não tome a decisão de escolher agora, vá para sua casa e pense bem e depois dê-me a resposta”. E o jovem esposo, agora mais de vinte anos mais velho, foi para casa, pensou... pensou... durante vários dias e procurou o patrão e deu-lhe a seguinte resposta: “não quero receber o meu dinheiro, quero os três conselhos que o senhor me prometeu dar”. E não é que o patrão entendeu que um bom cabrito não berra, então, novamente mencionou ao empregado demissionário: “ se eu lhe der os conselhos, não lhe dou o dinheiro do pagamento do tempo que você trabalhou aqui na fazenda”. E imediatamente o emprego não pensou duas vezes e disse na “bucha” que “quero os três conselhos”.

                          E assim sendo, o patrão começou a dar-lhe os seguintes conselhos:
 
1º) “nunca tome atalhos em sua vida, caminhos mais curtos e desconhecidos, pois, podem custar a sua própria vida”; 
2º) “nunca seja curioso para aquilo que é mal, tendo em vista que a curiosidade pro mal pode ser uma ação mortal”;
3º) “nunca tome decisões em momentos de ódio ou de dor, tendo em vista que você pode se arrepender e aí ser tarde demais”.
 
                          Dados os três conselhos ao empregado o patrão adiantou-lhe que ele já não era tão jovem assim como no dia em que chegou a fazenda, assim sendo, “vou dar-lhe um presente de três pequenos pães, dois para você comer durante o percurso da viagem e o terceiro pão para você comer com a sua mulher quando chegar em casa”. E o jovem esposo, agora homem de vida adulta e lapidada pelo trabalho durou que enfrentou por mais de vinte anos na fazenda, iniciou o caminho de volta para casa, esperando encontrar sua querida mulher que tanto amava e que ficou durante mais de vinte anos longe da mesma e de seu lar a procura de ganhar dinheiro para oferecer-lhe dias melhores.

                           No final do primeiro dia de viagem encontrou nas estradas no caminho de volta para casa um andarilho que se fez de seu amigo e perguntou-lhe para onde ia? E ele disse-lhe: “vou para um lugar muito longe que fica a mais de trinta dias de caminhada sem parar para descansar por esta estrada afora”. E o andarilho respondeu-lhe: “homem, esta estrada é muito longa, eu conheço um atalho que “é dez” e o amigo chega em poucas horas de viagem”. O atalho era parecido por analogia com o tapete mágico de Aladdin, enfocado no filme americano produzido pela Walt Disney Feature Animation, de igual nome do ano de 1992, onde [...]Aladdin usa o tapete mágico para retornar a Agrabah, onde Jafar tornou Jasmine e o sultão seus escravos. Jasmine tenta distrair Jafar seduzindo-o, enquanto Aladdin tenta recuperar a lâmpada, mas Jafar apercebe-se. E o homem ficou contente com a orientação ou conselho do andarilho e começou a seguir o referido atalho, já ia longe no novo caminho, quando lembrou-se do primeiro conselho do fazendeiro, ato continuo, voltou a estaca zero e segui o caminho normal e natural que levava para sua casa onde ia encontrar sua querida mulher. Fale salientar de que o homem dias depois tomou conhecimento de que o atalho do caminho curso do andarilho levava-o para uma grande emboscada, bem parecida com o “cheiro do queijo” da atualidade onde milhares de jovens de todas as etnias, crenças e classes sociais são levados e assassinados todos os dias nas bocas de fumos, sic, da vida moderna. E a viagem continuou no caminho normal e depois de longos dias de viagem, muito cansado, encontrou uma casa de pensão na beira da estrada, onde pagou a diária, tomou banho e foi dormir. De madrugada acordou-se assustado com gritos estarrecedores, deu um salto da cama e levantou-se e foi em direção da porta de onde vinham os gritos. Pensou em abrir a porta do quatro, foi quando lembrou-se justamente do segundo conselho que o fazendo tinha lhe dado em troca do pagamento dos seus vintes e tantos anos de trabalho na fazenda. Em seguida voltou para a cama, deitou-se e dormiu outra vez. Deixou pra lá o que estava acontecendo fora de seu quarto de pensão onde estava hospedado. Amanheceu o dia, tomou banho, após o café matutino, o proprietário da pensão perguntou-lhe se ele não tinha ouvido uns gritos de madrugada e o homem respondeu que realmente tinha ouvido. E o dono da pensão lhe perguntou se ele não tinha ficado curioso para ver quem era? E o homem disse que não. E foi aí que o dono da pensão respondeu que “você o primeiro hóspede a sai vivo daqui, pois, o meu filho tem crises de loucura, grita durante a noite toda e quando o hospede sai, mata-o e enterra-o no quintal”.
 

                             E o homem continuou sua viagem de volta para sua mulher e sua casa. Estava sempre ansioso, afinal de contas eram mais de vinte anos de ausência em casa. Andou vários dias e noites sem parar, caminhada longa. E o dia já ia entardecendo, avistou no meio das árvores a fumaça da lenha que queimava no fogão de sua casa, ficou curioso, andou e presenciou entre o arvoredo a figura feminina de sua mulher. Era quase noite, porém ele pode comprovar de que ela não estava só, tinha alguém do sexo masculino com ela. Se aproximando mais um pouco da casa e viu que sua mulher tinha entre as pernas um homem a quem ela estava acariciando seus cabelos. Ficou louco ao avistar aquela sena, pois, seu coração ficou cheio de ódio, de ilusão e de amargura e pensou em ir de encontro aos dois e matá-los sem piedade, porque se sentia traído pela mulher que escolheu para ser sua esposa. Ficou atônito, com a respiração cortando, estava a ponto de iniciar uma guerra de nervos quando lembrou-se do terceiro conselho do fazendeiro. Foi aí que procurou refletir e decidir dormir no mato naquela noite nas imediações de sua casa, quase no terreiro de casa e no dia seguinte procurar sua mulher e tomar uma decisão de homem vivido e comprometido com seu futuro. E foi justamente o que fez, ao amanhecer, estava com a cabeça fria da desilusão vivenciada do dia anterior. Decidiu que não iria matar a mulher e muito menos seu amante. Resolveu voltar para trabalhar na fazenda do seu antigo patrão, porém, antes de voltar, resolveu enfrentar o caso e dizer a sua mulher que sempre lhe foi fiel. Chegou à porta da casa, bateu palmas, alguém responde, é sua mulher, ela o reconhece ao abrir a porta, se atira no seu pescoço, chora e o abraça carinhosamente. O homem não aceita o abraço da esposa e tenta afastá-la de si, porém, não consegue empurra-la. É aí onde o homem com lágrimas nos olhos balbucia: “eu fui fiel a você e você me traiu...” e ela ficou muito espantada com tal afirmação do homem e respondeu-lhe; “aquele homem é nosso filho, quando você foi embora descobri que estava grávida, ele hoje está com vinte anos de idade”. O homem entrou em sua casa, beijou sua mulher, abraçou o seu filho, narrou toda a sua história de trabalho por mais de vinte anos fora de casa e a mulher foi preparar o café para o esposo. O café ficou pronto, pai, mãe e filho, sentaram-se a mesa para tomar o café e comer o último pão que recebeu a titulo de pagamento pelo trabalho dos vinte anos na fazenda. Agradeceram a Deus através da oração do “Pai Nosso” e de uma “Ave Maria”, com lágrimas e emoção, o homem parte o pão e ao abri-lo, encontra justamente todo o seu dinheiro, o pagamento dos seus vinte anos de dedicação aquele fazendeiro.

                            É verdade de que “muitas vezes achamos que o atalho” chamado de “queima etapas” e nos faz na realidade chegar mais rápido, o que nem sempre é verdade... em nossas vidas. É evidente que “muitas vezes somos” todos curiosos, sempre queremos saber de coisas que nem ao menos nos dizem respeito e que nada de bom nos acrescentará... em nossas vidas. Porém, “outras vezes, sempre agimos por impulsos, na hora da raiva, fatalmente nos arrependemos depois...” às vezes já é muito tarde.

                      Em síntese, os três conselhos são muito importantes desde que você também nunca se esqueça que confiar é preciso em sentido amplo de nossas vidas, “mesmo que a vida muitas vezes já tenha dado motivos para a desconfiança”. E esta estória entra pelo pé do pinto e cada um que lê-la escreva cinco.

www.recantodasletras.com.br

sábado, 8 de junho de 2013

Famílias do Cárcere: o Estado e a Sanha Punitiva

 
Ana Paula Oliveira
Nelson Gomes Junior
  

A família ocupa um destacado lugar nos processos de constituição da subjetividade humana. É no chamado processo de socialização primária que experienciamos inicialmente o mundo e damos os primeiros passos frente à longa caminhada que está por vir no restante da vida. Além disso, a família é, frequentemente, o grupo acolhedor dos seres humanos em seus momentos de dor, dificuldades e necessidades, desempenhando papel fundamental no que se refere aos laços sociais, troca de afetos e reflexões sobre a vida.
 
 
No universo prisional, a família do apenado exerce funções absolutamente significativas, como a ligação mais direta com o mundo externo ao cárcere, a satisfação de vínculos afetivos e sexuais, a inequívoca contribuição para sobrevivência física do preso (provendo alimentos, remédios, materiais de higiene pessoal ou quitando dívidas) e, principalmente, ocupando postos fulcrais no tocante à sobrevivência existencial do encarcerado, afinal, a prisão não só priva o condenado da liberdade, mas cotidianamente o silencia, viola sua dignidade, rompe vínculos sociais e contribui, fortemente, para o dilaceramento da existência humana.


Frente ao exposto, observa-se que a manutenção dos vínculos familiares através das “visitas do cônjuge, da companheira, parentes e amigos em dias marcados” é um direito do preso, conforme dispõe a Lei de Execuções Penais. Na prática, o que se observa é a corriqueira desobediência a essa garantia, postas as reiteradas dificuldades apresentadas pelas unidades prisionais em receber os visitantes, destacando-se dentre elas, as péssimas condições de espera nas filas dos presídios, o desrespeito no trato cotidiano e a exposição constrangedora durante os processos de revista e visita íntima.


Essa discrepância entre o disposto na legislação e sua materialização é traço característico do Estado brasileiro e a Paraíba não se configura como exceção. O descaso com o público externo é reflexo do “jeitinho” com que o apenado é concebido e tratado. A idéia de que o preso é “lixo humano” ou um “monstro” e que, portanto, merece ser relegado e sofrer em demasia, é estendida para os familiares e todos aqueles que se preocupam com a dignidade humana no âmbito prisional. Não é raro ouvirmos “pérolas” como: “Está com pena? Leva pra casa”, como se não fosse obrigação do Estado tratar de modo digno aqueles a quem se propõe a tutelar. Infelizmente o que vemos é a extensão da pena àqueles que não cometeram crime algum: os familiares.


A parcela majoritária dos visitantes que adentram as unidades prisionais é constituída por mulheres, em sua maioria, pobres e dotadas de pouca instrução escolar. São elas as potenciais colaboradoras no processo de ressocialização, entretanto, ao invés do espírito cooperativo que o poder público deveria incitar, o que se constata são as familiares sendo vitimadas pelos mais diversos tipos de discriminações, dentre as quais, a de classe e a de gênero, sendo, arbitrariamente coagidas ao cumprimento de normas consignadas ao alvedrio de cada instituição prisional. Acrescente-se a isso, a dificuldade no acesso à justiça, as ameaças sofridas e a completa sujeição aos humilhantes ritos impostos pela dinâmica prisional.

 
É chegada a hora de uma transformação social que atue no âmbito das mentalidades e das práticas de gestão dos presídios paraibanos, atualmente mais parecidos com masmorras medievais do que com verdadeiros centros de ressocialização. A relação dos estabelecimentos prisionais com as familiares deveria ser parte efetiva de nossas políticas públicas e de desenvolvimento humano. As famílias não são o inimigo a ser abatido, ao contrário, vêm delas o que ainda resta de humanização no falido processo de encarceramento brasileiro. Vem delas a proteção afetiva, a manutenção de sonhos e a esperança de dias melhores por parte dos que estão aprisionados. Que o Estado e sua sanha punitiva não apaguem a chama de lucidez e ternura que ainda nos resta. 


(Publicado no Jornal Contraponto em 07/06/2013)
Retirada do Blog Concretudes Imprecisas.
 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Os loucos, os normais e o Estado

Os “loucos” são aqueles que dizem mais dos “normais” do que de si mesmos: o livro 'Holocausto Brasileiro' conta um capítulo tão tenebroso quanto escondido da história recente do Brasil – e que está longe de ser encerrado.

 

Antônio Gomes da Silva soltou a voz ao empolgar-se com a Banda da Polícia Militar. Ao seu lado, o funcionário levou um susto:
– Por que você nunca disse que falava?
 
E Antônio:
– Uai, mas ninguém nunca perguntou.
 
Ele tinha passado 21 anos como mudo na instituição batizada de“Colônia”, considerada o maior hospício do Brasil, no pequeno município mineiro de Barbacena. Em 21 anos, nenhum médico ou funcionário tinha lhe perguntado nada. Aos 68 anos, Antônio ainda não sabe por que passou 34 anos da vida num hospício, para onde foi despachado por um delegado de polícia. “Cada um diz uma coisa”, conta. Ao deixar o cárcere para morar numa residência terapêutica, em 2003, Antônio se abismou de que era possível acender e apagar a luz, um poder que não sabia que alguém poderia ter. Fora dos muros do manicômio, ele ainda sonha que está amarrado à cama, submetido a eletrochoques, e acorda suando. A quem escuta a sua voz, ele diz: “Se existe um inferno, a Colônia é esse lugar”. 
 
Antônio ganhou nome, identidade e história em uma série excepcional de reportagens. Publicado na Tribuna de Minas, de Juiz de Fora (MG), o trabalho venceu o prêmio Esso de 2012 e foi ampliado para virar um livro que chega às livrarias nesta semana. Na obra, a jornalista mineira Daniela Arbex ilumina o que chamou de “holocausto brasileiro”: a morte de cerca de 60 mil pessoas entre os muros da Colônia ao longo do século XX. Convidada por Daniela para fazer o prefácio de seu livro, abri uma exceção e aceitei, pela mesma razão que me move a escrever esta coluna: a importância do tema para compreender nossa época.
 
Em Holocausto Brasileiro (Geração Editorial), Daniela Arbex devolve aos corpos sem história, que eram os corpos dos “loucos”, uma história que fala deles, mas fala mais de nós, os ditos “normais”. Durante décadas, as pessoas eram enfiadas – em geral compulsoriamente – dentro de um vagão de trem que as descarregava na Colônia. Lá suas roupas eram arrancadas, seus cabelos raspados e, seus nomes, apagados. Nus no corpo e na identidade, a humanidade sequestrada, homens, mulheres e até mesmo crianças viravam "Ignorados de Tal".
 
Qual é a história dos corpos sem história? Esta é a questão que Daniela se propõe a responder pelo caminho da investigação jornalística. Eram Antônio Gomes da Silva, o mudo que falava, Maria de Jesus, encarcerada porque se sentia triste, Antônio da Silva, porque era epilético. A estimativa é de que sete em cada dez pessoas internadas no hospício não tinham diagnóstico de doença mental.
 
Quem eram eles, para além dos nomes apagados? Epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, mendigos, militantes políticos, gente que se rebelava, gente que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas, violentadas por seus patrões, eram esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, eram filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento. Eram homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns deles eram apenas tímidos. Cerca de 30 eram crianças.
 
Qual era o destino de quem o Estado determinava que não podia viver em sociedade, que era preciso encarcerar, ainda que não tivesse cometido nenhum crime? Homens, mulheres e crianças às vezes comiam ratos, bebiam esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Nas noites geladas da Serra da Mantiqueira, eram atirados ao relento, nus ou cobertos apenas por trapos. Instintivamente faziam um círculo compacto, alternando os que ficavam no lado de fora e no de dentro, na tentativa de não morrer. Faziam o que fazem os pinguins imperadores para sobreviver ao inverno na Antártica e chocar seus ovos, como se viu num documentário que comoveu milhões anos atrás. Os humanos da Colônia não comoviam ninguém, já que sequer eram reconhecidos – nem como humanos nem como nada. Alguns não alcançavam as manhãs.
 
Os pacientes da Colônia morriam de frio, de fome, de doença. Morriam também de choque. Em alguns dias os eletrochoques eram tantos e tão fortes que a sobrecarga derrubava a rede do município. Francisca Moreira dos Reis, funcionária da cozinha, conta no livro sobre o dia em que disputou uma vaga para atendente de enfermagem, em 1979. Ela e outras 20 mulheres foram sorteadas para realizar uma sessão de eletrochoques nos pacientes masculinos do Pavilhão Afonso Pena, escolhidos aleatoriamente para o “exercício”. As candidatas à promoção cortavam um pedaço de cobertor e enchiam com ele a boca da cobaia, amarrada à cama. Molhavam a testa, aproximavam os eletrodos das têmporas e ligavam a engenhoca na voltagem de 110. Contavam até três e aumentavam a carga para 120. A primeira vítima teve parada cardíaca e morreu na hora. A segunda, um garoto apavorado aparentando menos de 20 anos, teve o mesmo destino. Francisca, cuja vez de praticar ainda não tinha chegado, saiu correndo.
 
Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Morriam de tudo – e também de invisibilidade. Ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, mais de 1.800 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos passaram a ser decompostos em ácido, no pátio da Colônia, na frente dos pacientes ainda vivos, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. Dos homens e mulheres do hospício, encarcerados pelo Estado e oficialmente sob sua proteção, até os ossos se aproveitava.
 
Daniela Arbex salvou do esquecimento um capítulo que muitos gostariam que seguisse nas sombras, até o total apagamento, no qual parte dos protagonistas ainda está viva para refletir tanto sobre seus atos quanto sobre suas omissões. Entrevistou mais de 100 pessoas, muitas delas nunca tinham contado a sua história. Além de sobreviventes do holocausto manicomial, Daniela escutou o testemunho de funcionários e de médicos. Um deles, Ronaldo Simões Coelho, ligou para ela meses atrás: “Meu tempo de validade está acabando. Não quero morrer sem ler seu livro”. No final dos anos 70, o psiquiatra havia denunciado a Colônia e reivindicado sua extinção: “O que acontece na Colônia é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente. É permitido andar nu e comer bosta, mas é proibido o protesto, qualquer que seja a sua forma”. Perdeu o emprego.
 
Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro da luta pelo fim dos manicômios, esteve no Brasil e conheceu a Colônia. Em seguida, chamou uma coletiva de imprensa, na qual afirmou: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa”. Hoje, restam menos de 200 sobreviventes da Colônia. Parte deles deverá ficar internada até a morte: são aqueles que foram tão torturados por uma vida dentro do hospício que já não conseguem mais viver fora. Parte foi transferida para residências terapêuticas para reaprender a tomar posse de si mesma. Sônia Maria da Costa está entre os que conseguiram dar o passo para além do cárcere. Às vezes ela coloca dois vestidos para compensar a nudez de quase uma vida inteira.
 
Ao empreender uma investigação jornalística para escrever este livro, Daniela leva adiante pelo menos três trabalhos fundamentais de documentação contemporânea: as 300 fotos feitas pelo fotógrafo Luiz Alfredo, para a revista O Cruzeiro, a primeira a denunciar a Colônia, em 1961(duas fotografias deste acervo são publicadas nesta coluna); a reportagem transformada no livro Nos porões da loucura (Pasquim), do jornalista Hiram Firmino; e o documentário Em nome da razão, de Helvécio Ratton, filmado em 1979, que se tornou o símbolo da luta antimanicomial.
 
Ao ler Holocausto Brasileiro – vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil, é prioritário resistir à tentação de acreditar que essa história acabou. Não acabou. Ainda existem no Brasil instituições que mantêm situações semelhantes às da Colônia, como algumas reportagens têm denunciado – ainda que não de forma maciça como no passado muito, muito recente, e com nomes mais palatáveis do que “hospício” ou “manicômio”. As conquistas produzidas pela luta antimanicomial, que botou fim às situações mais bárbaras, estão hoje sob ameaça de retrocesso. É nesse momento que entramos nós, a sociedade.
 
Se não quisermos continuar sendo cúmplices da barbárie descrita por Daniela Arbex neste livro, é preciso refletir sobre o nosso papel. É bastante óbvio perceber que fábricas de loucura como a Colônia só persistiram por um século porque podiam contar com a cumplicidade da sociedade. Mesmo quando o holocausto foi denunciado na revista de maior sucesso da época, O Cruzeiro, no início dos anos 60, passaram-se décadas até que a realidade do hospício começou – muito lentamente – a mudar. E outras gerações foram aniquiladas entre seus muros. Como é possível? É possível porque a sociedade prefere que seus indesejados sejam tirados da frente de seus olhos. Não enxergar, para muitos, ainda é solução. E esta é uma das razões pelas quais a tese do encarceramento sempre encontra ampla ressonância – e tem sido largamente manipulada por políticos ao longo da história do Brasil, e inclusive hoje.
 
Tivesse a sociedade disposta a enxergar o que estava estampado na revista preferida das famílias brasileiras, em 1961, e muitas tragédias teriam sido impedidas. Como a de Débora Aparecida Soares. Ela foi um dos cerca de 30 bebês roubados de suas mães. As mulheres trancafiadas na Colônia conseguiam proteger sua gravidez passando fezes sobre a barriga, para não serem tocadas. Mas, logo depois do parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados. Débora nasceu em 23 de agosto de 1984. Dez dias depois, foi adotada por uma funcionária do hospício. A cada aniversário, sua mãe, Sueli Aparecida Resende, epilética, perguntava a médicos e funcionários pela menina. E repetia: “Uma mãe nunca se esquece da filha”.
 
Em 2005, aos 21 anos, Débora nada sabia sobre a sua origem, mas não conseguia pertencer de fato à família de adoção. Tentou o suicídio. Como os comprimidos demoravam a fazer efeito, dirigiu-se à estrada de ferro, a mesma onde décadas antes havia passado o trem que levara sua mãe ao inferno. Foi salva por uma amiga, que a carregou para o hospital no qual mais uma coincidência seria descoberta tarde demais. Dois anos depois, Débora iniciou uma jornada em busca da mãe. O que alcançou foi a insanidade da engrenagem que mastigou suas vidas. Sua busca pela mãe é um dos momentos mais trágicos e reveladores do livro, ao unir passado, presente e futuro no corpo em movimento desta filha.
 
Há uma tendência no senso comum de considerar que categorias como “loucos” são determinadas, imutáveis, indiscutíveis e, principalmente, isentas dos humores do processo histórico. Não são. Cada sociedade cria seus proscritos – uma construção cultural que varia conforme o momento e as necessidades de quem detém o poder a cada época. Há um livro essencial sobre este tema: Os infames da história – pobres, escravos e deficientes no Brasil (Faperj/Lamparina). Na apresentação, a autora, a psicóloga Lilia Ferreira Lobo, que escreve sob a inspiração de Michel Foucault, faz uma descrição primorosa:
 
“Existências infames: sem notoriedade, obscuras como milhões de outras que desapareceram e desaparecerão no tempo sem deixar rastro – nenhuma nota de fama, nenhum feito de glória, nenhuma marca de nascimento, apenas o infortúnio de vidas cinzentas para a história e que se desvanecem nos registros porque ninguém as considera relevantes para serem trazidas à luz. Nunca tiveram importância nos acontecimentos históricos, nunca nenhuma transformação perpetrou-se por sua colaboração direta. Apenas algumas vidas em meio a uma multidão de outras, igualmente infelizes, sem nenhum valor. Porém, sua desventura, sua vilania, suas paixões, alvos ou não da violência instituída, sua obstinação e sua resistência encontraram em algum momento quem as vigiasse, quem as punisse, quem lhes ouvisse os gritos de horror, as canções de lamento ou as manifestações de alegria.”
 
Aqueles que foram encarcerados dentro da Colônia e de outros hospícios do Brasil, em algum momento perturbaram alguém ou a ordem instituída com a sua voz – ou apenas com a sua mera existência. Em vez de serem escutados no que tinham a dizer sobre a sociedade da qual faziam parte, foram arrancados dela e trancafiados para morrer – primeiro pelo apagamento simbólico, depois pela falência do corpo torturado. A pergunta que vale a pena fazer neste momento, diante da história documentada pelo Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex, é: quem são os proscritos de nossa época?
 
Vale a pena repetir que, na Colônia, sete em cada dez não tinham diagnóstico de doença mental. O diagnóstico, além de não representar nenhuma verdade absoluta sobre alguém, perde qualquer possível valor num lugar como o hospício descrito. Sua única utilidade seria como justificativa oficial para retirar pessoas incômodas do espaço público, aquelas cujo sofrimento não poderia existir, violando neste ato seus direitos mais básicos. Mas o fato de 70% dos internos não ter nem sequer um diagnóstico é um dado importante para perceber com que desenvoltura os manicômios serviram – e ainda servem – a um propósito não dito, mas largamente exercido pelo Estado: o de ampliar as categorias das pessoas que não devem ser escutadas, calando todos aqueles que dizem não apenas de si, mas de toda a sociedade.
 
Vivemos um momento histórico muito delicado,em que está sendo determinado quais são os novos infames da história – e qual deverá ser o seu destino. E também em que medida o Estado tem poder sobre os corpos. Me arrisco a dizer que, se ontem os proscritos eram os epiléticos, as prostitutas, os homossexuais, as meninas pobres e grávidas, as esposas insubmissas, hoje os proscritos que se desenham no horizonte histórico são os drogados – e especificamente os “craqueiros”. E o destino apresentado como solução tem sido, de novo, a internação. Inclusive a compulsória. A tarja de dependência química funciona como um silenciamento, já que não teriam nada a dizer nem sobre a sociedade em que vivem, nem sobre sua própria vida. São apenas um corpo sujeitado ao Estado para ser “curado”. E, para a maioria, nada melhor do que tirá-los da frente – às vezes literalmente.
 
É bom aprender com a história. Holocausto Brasileiro é um excelente começo para uma reflexão não apenas sobre o passado, mas sobre o presente. Como afirma Daniela Arbex: “O descaso diante da realidade nos transforma em prisioneiros dela. Ao ignorá-la, nos tornamos cúmplices dos crimes que se repetem diariamente diante de nossos olhos. Enquanto o silêncio acobertar a indiferença, a sociedade continuará avançando em direção ao passado de barbárie. É tempo de escrever uma nova história e de mudar o final”.
 
Revista Epoca - Globo
Eliane Brum -  jornalista, escritora e documentarista

domingo, 2 de junho de 2013

Polícia e Bandido



 
Numa cidade muito longe,
Muito longe daqui
Que tem problemas que parecem
Os problemas daqui
Que tem favelas que parecem
...
As favelas daqui

Existem homens maus
Sem alma e sem coração
Existem homens da lei
Com determinação
Mas o momento é de caos
Porque a população
Na brincadeira sinistra
De polícia e ladrão
Não sabe ao certo quem é
Quem é herói ou vilão
Não sabe ao certo quem vai
Quem vem na contramão
É, não sabe ao certo quem é
Quem é herói ou vilão
Não sabe ao certo quem vai
Quem vem na contramão

Porque tem homem mau
Que vira homem bom
Porque tem homem mau
Que vira homem bom
Quando ele compra o remédio
Quando ele banca o feijão
Quando ele tira pra dá
Quando ele dá proteção

Porque tem homem da lei
Que vira homem mal
Porque tem homem da lei
Que vira homem mal
Quando ele vem pra atirar
Quando ele caga no pau
Quando ele vem pra salvar
E sai matando geral

É parceiro
E aí é que a chapa esquenta
É nessa hora que a gente vê quem é fiel
Mas tanto lá como cá
Ladrão que rouba ladrão
Não tem acerto pedido, terror, terror
Terror não tem perdão
Quem fala muito é X-9
E desses a gente tem de montão
Mais o X do problema
Tá na corrupção
Um dia, o bicho pegou
O coro comeu
Polícia e bandido bateram de frente,
E aí meu cumpadre
Aí tu sabe
Aí foi chapa quente, chapa quente...

Bateu de frente
Um bandido e um
Sub-tenente lá do batalhão
Foi tiro de lá e de cá
Balas perdidas no ar
Até que o silêncio gritou
Dois corpos no chão, que azar
Feridos na mesma ambulância
Uma dor de matar
Mesmo mantendo a distância
Não deu pra calar

Polícia e bandido trocaram farpas
Farpas que pareciam balas
E o bandido falou:
Você levou tanto dinheiro meu
Agora vem querendo me prender
E eu te avisei você não se escondeu
Deu no que deu
E a gente tá aqui
Pedindo a Deus pro corpo resistir
Será que ele tá afim de ouvir?
Você tem tanta bazuca,
Pistola, fuzil e granada
Me diz pra que tu
Tem tanta munição?

É que além de vocês
Nós ainda enfrenta
Um outro comando, outra facção
Que só tem alemão sanguinário
Um bando de otário
Marrento, querendo mandar
Por isso que eu tô bolado assim
Eu também tô bolado sim
É que o judiciário tá todo comprado
E o legislativo tá financiado
E o pobre operário
que joga seu voto no lixo
Não sei se por raiva
Ou só por capricho
Coloca a culpa de tudo
Nos homens do camburão
Eles colocam a culpa de tudo
Na população

{E o bandido...}
E se eu morrer vem outro em meu lugar
{Polícia...}
E se eu morrer vão me condecorar
E se eu morrer será que vão chorar?
E se eu morrer será que vão lembrar?
E se eu morrer... {já era}
E se eu morrer
E se eu morrer... {foi!}
E se eu morrer

Chega de ser subjugado
Subtraído, um sub-bandido de um
Sub-lugar, sub tenente de um
Sub-país, um sub-infeliz
sub infeliz..

LaiálaiálaiálaiálaiáLaiálaiá

subjugado, Subtraído,
um sub-bandido de um sub-lugar,
sub tenente de um sub-país,
um sub infeliz..

Mas essa história
Eu volto a repetir

Aconteceu numa cidade
Muito longe daqui
Numa cidade muito longe,
Muito longe daqui
Que tem favelas que parecem
As favelas daqui
E tem problemas que parecem
Os problemas daqui
Daqui
Daqui
Daqui

É isso aí Sapucahy..
Polícia ou bandido?
vai saber né


Marcelo D2
Leandro Sapucahy