FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
“Desrespeitando
os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros,
discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a
ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros.” Paulo Freire
Por
incrível que pareça a discriminação em sentido amplo sempre esteve presente
onde quer que exista pessoa na face da terra, de modo que o termo “eira” vem do
latim: “area” que significa área, pedaço de terra, que os dicionaristas
enfatizam como sendo um espaço geralmente plano com um chão duro, de dimensões
variáveis, bem parecidos com o que chamamos de secador de açúcar bruto, por
exemplo, área obrigatória e presente em todos os engenhos de moagem de cana de
açúcar, cujo local também era usado para expor ao sol os cereais para depois
serem batidos e peneirados, depois de colhidos com vista a separá-los da palha
e de outros tipos de detritos dos grãos de cereais bons dos estragados, podres,
etc. de modo que a origem da “eira” está ligada originariamente ao surgimento
da agricultura na face da terra e o regular cultivo da terra com grãos de
cereais, levando-se em consideração as mais variadas técnicas, ferramentais e
instalações específicas¹ . O que chamamos de “eira nem beira” surgiu ante de
1500 em Portugal e significa o que chamamos de terreiro. No Brasil o termo
“eira nem beira” é registrado pela primeira vez no livro “O guia dos curiosos:
língua portuguesa”, de autoria de Marcelo Duarte, que menciona que as eiras e
ou marquises cumpriam uma função social, tendo em vista que ali poderiam ser
realizadas festas, bailes, missas, eventos públicos em geral. Então o ermo
“eira” tem dois significados, o que vale dizer que pode ser o primeiro dos três
arcabouços do telhado das casas e igrejas de pessoas ricas, bem como o local do
tipo: secador de cereais, etc, e ou terreiro de chão batido que cerca as casas
e ou engenhos.
É
importante registrar a visão de mundo da Igreja no Brasil nos anos que se sucederam
ao chamado "descobrimento e/ou achamento do Brasil", por Pedro
Álvares Cabral em 22 de abril de 1500, pois, a descriminação étnica e racial
dentro da Igreja era um verdadeiro absurdo, fedia, porém não incomodava nem o
baixo e muito menos o alto clero. Tanto é assim que somente as pessoas ricas
(senhores de engenhos e seus agregados por linhagem de família) que moravam em
casas que tinham "eira, beira e tribeira", tinham acesso ao direito
de ver com “os próprios olhos o rosto”, a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo
em seus templos. Assim sendo, por exemplo, o Jesus Cristo Crucificado (imagem),
da Igreja do Mosteiro de São Bento, localizada em Olinda, Estado de Pernambuco,
cuja construção primitiva data de 1599, foi colocado no andar superior (coro)
daquela casa de oração (que foi destruída em 1632 com o incêndio provocado pela
invasão holandesa, posteriormente reconstruída, voltou a funcionar em 1656
(ressalvando-se de que a atual Igreja de São Bento teve sua construção iniciada
em 1660 e sua conclusão em 1761, ex-vi inscrição constante no óculo histórico
da mesma) até os dias atuais e que é declarada como patrimônio histórico
mundial pela UNESCO, juntamente com outros prédios da cidade de
Olinda/Pernambuco). É importante mencionar ainda de que na parte térrea da
referida Igreja/Mosteiro ficavam os pobres (se não fossem escravos) para
participar apenas da missa, enquanto os negros, enquanto escravos só tinham a
permissão para acompanhar e ou assistir do lado de fora da dita Igreja as
ladainhas dos padres.
Enfatizamos
de que fazer uma distinção em termos sociológicos, significa fazer uma
discriminação social, racial, política, religiosa, sexual e até mesmo por
idade, profissão, familiar, etc, o em si falando é um grande perigo para a
sociedade tal entendimento, pois, podem provocar e ou mesmo levar a exclusão
social de graves consequências para toda a comunidade em termos locais,
nacionais e internacionais. E isso ainda encontra-se vivo na mentalidade de
religiosidades do tipo homens e mulheres bombas, que fazem tudo em nome de seus
“deuses”, sacrificam a própria vida, não importa aqui se tem “eira, beira e ou
tribeira”, tamanho é a cegueira da discriminação praticada em pleno século XXI,
era da cibernética que propicia as redes sociais para facilitar a vida das
pessoas, porém também escraviza e criminaliza quem não pensar como esta gente
pensa, se é que podemos chamar de gente quem assim pensa, age e faz a desgraça
dos outros em todas as partes do mundo invocando um “deus do terror” e da
destruição de quem não pensa, age e faz como eles. E isso, significa
discriminação, escravidão e nega a Deus, o vivo e dono de tudo que somos, temos
e seremos, nesta e na outra vida. É tem gente matando em nome de Alá, Jeová,
Deus, Jesus, etc., todos estão errados, pois, quando falta o amor no coração do
homem, aí falta a religião, sua religiosidade e portanto, jamais poderemos
encontrar o que chamamos de Deus nestes tipos de religiosidades e seus adeptos.
A
discriminação religiosa, política e social no Brasil Colonial estava presente
em todos os lugares, por exemplo, na igreja, nas casas urbanas e rurais, pois,
“[...] os ricos construíam suas casas com três acabamentos no telhado. De baixo
para cima, as partes eram chamadas de eira, beira e tribeira. As casas dos
pobres eram feitas apenas com tribeira. Assim, quando um filho (a) de rico
queria se casar com um pobre, os pais não se conformavam: “Ora, pois! Mas a
casa dele (a) não tem eira, nem beira!²”, igual comportamento em termos
estruturais e formais, se repetia na arquitetura dos templos religiosos, aqui
mesmo em nossa cidade de Santa Rita e em Cruz do Espirito Santo, vamos
encontrar-se capelas e mais capelas construídas na Várzea do Paraíba, como por
exemplo, a Capela de Nossa Senhora do Desterro (1869), cujo telhado tem “eira,
beira e tribeira” ou seja, tem o telhado ou cobertura (tribeira) e abaixo dele
tem a “beira” e a “eira”, o que vale dizer que o fundador Carlos Gomes de
Mello, da referida capela não era uma pessoa “sem eira e sem beira”, assim a
cultura popular discrimina as pessoas desde os tempos primitivos de nossa
brasilidade e cuja herança cultural foi transplantada de Portugal (Europa)
desde os tempos das grandes conquistas, descobertas e achamentos das terras do
chamado “Novo Mundo”. Por analogia aos períodos de nossa historiografia desde
os tempos da Colônia, do Império e a República Brasileira, podemos assim
compreender que as “[...] pessoas sem bens, sem posses. Eira é um terreno de
terra batida ou cimento onde grãos ficam ao ar livre para secar. Beira é a beirada
da eira. Quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o proprietário
fica sem nada. Na região nordeste este ditado tem o mesmo significado mas outra
explicação. Dizem que antigamente as casas das pessoas ricas tinham um telhado
triplo: a eira, a beira e a tribeira como era chamada a parte mais alta do
telhado. As pessoas mais pobres não tinham condições de fazer este telhado,
então construíam somente a tribeira ficando assim "sem eira nem
beira³". É uma realidade cultural sempre presente em qualquer continente
habitado por humanos.
De
modo que Fernanda de Castro tem razão plena ao escrever sua poesia publicada in
“Asa do Espaço”, em 1955, por analogia aplicável a expressão “sem eira e sem
beira”, isto é como se a mesma estivesse se referindo aos detalhes constantes
nas fachadas das casas, igrejas, etc próximo ao telhado das casas dos ricos,
enquanto que as casas dos pobres não tinham tais detalhes, o que vale dizer que
cada um desses termos tinha e ainda tem seu significado de possuir e ou não
possuir dinheiro, cultura, posição social, etc., ao expressar-se: “[...] Deixem
a casa velha! Que os pedreiros não lhe tirem as rugas nem as gelhas. Que não
limpem de urtigas os canteiros, que lhe deixem ficar as velhas telhas. Deixem a
casa velha! Que a não sujem com óleos e com tintas os pintores. Que lhe deixem
as nódoas de ferrugem, os velhos musgos, as cansadas flores. Que não fiquem
debaixo do cimento mais de cem anos de alegria e dor. Não lhe pintem a chuva, o
sol, o vento, que a cor do tempo é assim: vaga e incolor. Que tudo fique assim,
parado e absorto, no tempo sem limites, sempre igual. Ah, não, por Deus! Como
se faz a um morto, não a sepultem sob terra e cal! Não fechem as janelas mal
fechadas, ouçam da brisa o tímido lamento, deixem que a vida e a morte, de mãos
dadas, vão com seu passo refletido e lento. Não endireitem as paredes tortas
nem desatem, da aranha, os finos laços. Abram ao vento as desmanchadas portas,
ouçam do tempo os invisíveis passos. Deixem que durma, quieta, ao sol do Outono,
velada pela flor, o vento, a asa. Será talvez o derradeiro sono… Que importa?
Morra em paz a velha casa”.
A
Teologia da libertação e o entendimento dos padres da Igreja a partir do século
XIX aos nossos dias de que “a terra é um dos bens de Deus e sua propriedade é
de ninguém”, ainda não existia. Salvo melhor juízo a cultura de que pode mais
quem tem mais se encontra enraizada e presente em todas as classes sociais,
etnias, culturas, regimes políticos e religiosidades do mundo, e aqui no nosso
período colonial nacional não foi diferente no espaço religioso que
representava naqueles tempos a ligação entre Deus e os homens.
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¹ Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Selecções, Porto, 3ª edição Julho de
1980.
REFERÊNCIAS:
ALEX.
Controvérsia:<http://www2.uol.com.br/JC/_2000/2210/ale2210.htm>.
Recife, Jornal do Commercio On Line, 22 de outubro de 2000. Página visitada em:
05/08/2013. MARTINS, Eduardo. Onde estão a eira e a beira? In.: Revista
História Viva. São Paulo: Editora Duetto, 2004. ERBETTA, Gabriela (ed.). Guia
Brasil 2011. São Paulo: Abril, 2010. 528 p. ISBN 978-85-3641007-4