segunda-feira, 4 de novembro de 2013

EIRA, BEIRA E TRIBEIRA.





FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
“Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros.” Paulo Freire
Por incrível que pareça a discriminação em sentido amplo sempre esteve presente onde quer que exista pessoa na face da terra, de modo que o termo “eira” vem do latim: “area” que significa área, pedaço de terra, que os dicionaristas enfatizam como sendo um espaço geralmente plano com um chão duro, de dimensões variáveis, bem parecidos com o que chamamos de secador de açúcar bruto, por exemplo, área obrigatória e presente em todos os engenhos de moagem de cana de açúcar, cujo local também era usado para expor ao sol os cereais para depois serem batidos e peneirados, depois de colhidos com vista a separá-los da palha e de outros tipos de detritos dos grãos de cereais bons dos estragados, podres, etc. de modo que a origem da “eira” está ligada originariamente ao surgimento da agricultura na face da terra e o regular cultivo da terra com grãos de cereais, levando-se em consideração as mais variadas técnicas, ferramentais e instalações específicas¹ . O que chamamos de “eira nem beira” surgiu ante de 1500 em Portugal e significa o que chamamos de terreiro. No Brasil o termo “eira nem beira” é registrado pela primeira vez no livro “O guia dos curiosos: língua portuguesa”, de autoria de Marcelo Duarte, que menciona que as eiras e ou marquises cumpriam uma função social, tendo em vista que ali poderiam ser realizadas festas, bailes, missas, eventos públicos em geral. Então o ermo “eira” tem dois significados, o que vale dizer que pode ser o primeiro dos três arcabouços do telhado das casas e igrejas de pessoas ricas, bem como o local do tipo: secador de cereais, etc, e ou terreiro de chão batido que cerca as casas e ou engenhos.
É importante registrar a visão de mundo da Igreja no Brasil nos anos que se sucederam ao chamado "descobrimento e/ou achamento do Brasil", por Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1500, pois, a descriminação étnica e racial dentro da Igreja era um verdadeiro absurdo, fedia, porém não incomodava nem o baixo e muito menos o alto clero. Tanto é assim que somente as pessoas ricas (senhores de engenhos e seus agregados por linhagem de família) que moravam em casas que tinham "eira, beira e tribeira", tinham acesso ao direito de ver com “os próprios olhos o rosto”, a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo em seus templos. Assim sendo, por exemplo, o Jesus Cristo Crucificado (imagem), da Igreja do Mosteiro de São Bento, localizada em Olinda, Estado de Pernambuco, cuja construção primitiva data de 1599, foi colocado no andar superior (coro) daquela casa de oração (que foi destruída em 1632 com o incêndio provocado pela invasão holandesa, posteriormente reconstruída, voltou a funcionar em 1656 (ressalvando-se de que a atual Igreja de São Bento teve sua construção iniciada em 1660 e sua conclusão em 1761, ex-vi inscrição constante no óculo histórico da mesma) até os dias atuais e que é declarada como patrimônio histórico mundial pela UNESCO, juntamente com outros prédios da cidade de Olinda/Pernambuco). É importante mencionar ainda de que na parte térrea da referida Igreja/Mosteiro ficavam os pobres (se não fossem escravos) para participar apenas da missa, enquanto os negros, enquanto escravos só tinham a permissão para acompanhar e ou assistir do lado de fora da dita Igreja as ladainhas dos padres.
Enfatizamos de que fazer uma distinção em termos sociológicos, significa fazer uma discriminação social, racial, política, religiosa, sexual e até mesmo por idade, profissão, familiar, etc, o em si falando é um grande perigo para a sociedade tal entendimento, pois, podem provocar e ou mesmo levar a exclusão social de graves consequências para toda a comunidade em termos locais, nacionais e internacionais. E isso ainda encontra-se vivo na mentalidade de religiosidades do tipo homens e mulheres bombas, que fazem tudo em nome de seus “deuses”, sacrificam a própria vida, não importa aqui se tem “eira, beira e ou tribeira”, tamanho é a cegueira da discriminação praticada em pleno século XXI, era da cibernética que propicia as redes sociais para facilitar a vida das pessoas, porém também escraviza e criminaliza quem não pensar como esta gente pensa, se é que podemos chamar de gente quem assim pensa, age e faz a desgraça dos outros em todas as partes do mundo invocando um “deus do terror” e da destruição de quem não pensa, age e faz como eles. E isso, significa discriminação, escravidão e nega a Deus, o vivo e dono de tudo que somos, temos e seremos, nesta e na outra vida. É tem gente matando em nome de Alá, Jeová, Deus, Jesus, etc., todos estão errados, pois, quando falta o amor no coração do homem, aí falta a religião, sua religiosidade e portanto, jamais poderemos encontrar o que chamamos de Deus nestes tipos de religiosidades e seus adeptos.
A discriminação religiosa, política e social no Brasil Colonial estava presente em todos os lugares, por exemplo, na igreja, nas casas urbanas e rurais, pois, “[...] os ricos construíam suas casas com três acabamentos no telhado. De baixo para cima, as partes eram chamadas de eira, beira e tribeira. As casas dos pobres eram feitas apenas com tribeira. Assim, quando um filho (a) de rico queria se casar com um pobre, os pais não se conformavam: “Ora, pois! Mas a casa dele (a) não tem eira, nem beira!²”, igual comportamento em termos estruturais e formais, se repetia na arquitetura dos templos religiosos, aqui mesmo em nossa cidade de Santa Rita e em Cruz do Espirito Santo, vamos encontrar-se capelas e mais capelas construídas na Várzea do Paraíba, como por exemplo, a Capela de Nossa Senhora do Desterro (1869), cujo telhado tem “eira, beira e tribeira” ou seja, tem o telhado ou cobertura (tribeira) e abaixo dele tem a “beira” e a “eira”, o que vale dizer que o fundador Carlos Gomes de Mello, da referida capela não era uma pessoa “sem eira e sem beira”, assim a cultura popular discrimina as pessoas desde os tempos primitivos de nossa brasilidade e cuja herança cultural foi transplantada de Portugal (Europa) desde os tempos das grandes conquistas, descobertas e achamentos das terras do chamado “Novo Mundo”. Por analogia aos períodos de nossa historiografia desde os tempos da Colônia, do Império e a República Brasileira, podemos assim compreender que as “[...] pessoas sem bens, sem posses. Eira é um terreno de terra batida ou cimento onde grãos ficam ao ar livre para secar. Beira é a beirada da eira. Quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o proprietário fica sem nada. Na região nordeste este ditado tem o mesmo significado mas outra explicação. Dizem que antigamente as casas das pessoas ricas tinham um telhado triplo: a eira, a beira e a tribeira como era chamada a parte mais alta do telhado. As pessoas mais pobres não tinham condições de fazer este telhado, então construíam somente a tribeira ficando assim "sem eira nem beira³". É uma realidade cultural sempre presente em qualquer continente habitado por humanos.
De modo que Fernanda de Castro tem razão plena ao escrever sua poesia publicada in “Asa do Espaço”, em 1955, por analogia aplicável a expressão “sem eira e sem beira”, isto é como se a mesma estivesse se referindo aos detalhes constantes nas fachadas das casas, igrejas, etc próximo ao telhado das casas dos ricos, enquanto que as casas dos pobres não tinham tais detalhes, o que vale dizer que cada um desses termos tinha e ainda tem seu significado de possuir e ou não possuir dinheiro, cultura, posição social, etc., ao expressar-se: “[...] Deixem a casa velha! Que os pedreiros não lhe tirem as rugas nem as gelhas. Que não limpem de urtigas os canteiros, que lhe deixem ficar as velhas telhas. Deixem a casa velha! Que a não sujem com óleos e com tintas os pintores. Que lhe deixem as nódoas de ferrugem, os velhos musgos, as cansadas flores. Que não fiquem debaixo do cimento mais de cem anos de alegria e dor. Não lhe pintem a chuva, o sol, o vento, que a cor do tempo é assim: vaga e incolor. Que tudo fique assim, parado e absorto, no tempo sem limites, sempre igual. Ah, não, por Deus! Como se faz a um morto, não a sepultem sob terra e cal! Não fechem as janelas mal fechadas, ouçam da brisa o tímido lamento, deixem que a vida e a morte, de mãos dadas, vão com seu passo refletido e lento. Não endireitem as paredes tortas nem desatem, da aranha, os finos laços. Abram ao vento as desmanchadas portas, ouçam do tempo os invisíveis passos. Deixem que durma, quieta, ao sol do Outono, velada pela flor, o vento, a asa. Será talvez o derradeiro sono… Que importa? Morra em paz a velha casa”.
A Teologia da libertação e o entendimento dos padres da Igreja a partir do século XIX aos nossos dias de que “a terra é um dos bens de Deus e sua propriedade é de ninguém”, ainda não existia. Salvo melhor juízo a cultura de que pode mais quem tem mais se encontra enraizada e presente em todas as classes sociais, etnias, culturas, regimes políticos e religiosidades do mundo, e aqui no nosso período colonial nacional não foi diferente no espaço religioso que representava naqueles tempos a ligação entre Deus e os homens.


...................... ¹ Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Selecções, Porto, 3ª edição Julho de 1980.
REFERÊNCIAS: ALEX.
 Controvérsia:<http://www2.uol.com.br/JC/_2000/2210/ale2210.htm>. Recife, Jornal do Commercio On Line, 22 de outubro de 2000. Página visitada em: 05/08/2013. MARTINS, Eduardo. Onde estão a eira e a beira? In.: Revista História Viva. São Paulo: Editora Duetto, 2004. ERBETTA, Gabriela (ed.). Guia Brasil 2011. São Paulo: Abril, 2010. 528 p. ISBN 978-85-3641007-4

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