quinta-feira, 28 de abril de 2011

Futuro da Advocacia Pública: prevenção e conciliação

Poder de decisão

O futuro da advocacia pública está para ser imaginado. Há esperança de que no presente possa se colher previsão de agenda prospectiva. A afirmação não qualifica nenhuma verdade, essencialista. Coloca-nos, porém, problemas que exigem enfrentamento: Qual advocacia? De Estado, de Governo, do interesse público? Quem os define? Advocacia de combate ou de conciliação? Há limites? Parâmetros? E se os há, quem os identifica?

A advocacia pública é historicamente pautada pelo tipo de Estado que defende, ou que serve, ou ao qual orienta. Há três desenhos de Estado, para os quais há diferentes modelos de atuação do advogado público. O nó górdio reside no fato de que a advocacia pública que se tem hoje seja moldada num tipo de Estado que pode se esgotar na própria seiva. Relembremos a história.

A transposição do Estado português para o Brasil foi pontuada por um modelo absolutista, autoritário, no qual bens públicos e patrimônio do soberano eram confundidos. Modelo estudado por Raimundo Faoro (Os donos do poder) fundamentava-se em privilégios alfandegários, na compra de cargos, prebendas e direitos. Foi o tempo de uma burocracia fiscal e judiciária, cujos aspectos prosaicos nossa literatura captou, a exemplo da narrativa deliciosa das Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida. O Procurador da Coroa e da Soberania Nacional (artigo 48 da Constituição de 1824) atuava em juízo criminal. O Procurador dos Feitos da Coroa sucedeu a um Procurador dos Nossos Feitos, que havia nas Ordenações Afonsinas. A defesa do soberano, do Estado, do Erário e da ordem jurídica se confundia nestas figuras, antepassados remotos (não muito) do advogado público contemporâneo.

Um Estado burocrático, de feição liberal, plasmado por uma reforma no serviço público (na classificação de Bresser-Pereira), desdobrou-se no fim da década de 1930, protagonizado pelo Departamento Administrativo do Serviço Público-DASP. Canonizou-se noção pouco nítida de interesse público, com base em critérios de impessoalidade, de legalidade e de moralidade. Adaptamos categorias do Direito Administrativo francês, autoritário, centrado no controle de procedimentos, e pouco propenso à avaliação de resultados. A advocacia pública pautava-se pelo modelo antigo da Procuradoria-Geral da República (de 1889) que representava o governo nas várias causas, inclusive fiscais. A Consultoria-Geral da República (de 1903) construiu-se como órgão opinativo, e vinculativo em suas consultas. A fórmula persistiu por muito tempo e inclusive resistiu à reforma administrativa da era militar.

A Constituição de 1988 fracionou competências. E se ao Ministério Público incumbiu-se a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, à Advocacia-Geral da União determinou-se a representação da União, judicial e extrajudicial, bem como o assessoramento jurídico e a consultoria ao Poder Executivo. Ao primeiro, MP, a defesa do Estado e dos interesses indisponíveis; à segunda, AGU, a defesa do governo, embora, bem entendido, sempre na mira do interesse público, revelado numa imaginária vontade geral, constatada no romantismo político de Rousseau.

Os insuportáveis níveis de litigância estatal, em grande parte provocados por miopia conceitual que repele soluções administrativas transacionais, e os custos decorrentes da aventura da judicialização inconsequente, entre outros, sugerem que se conceba novo arquétipo, centrado em cultura de consenso, com maior preocupação com resultados. Persistem critérios pouco flexíveis de legalidade burocrática. É o mundo do carimbo, que deve se curvar à esperança da eficiência como forma de razão.

A advocacia pública do futuro deve agir com mais discricionariedade; um maior nível de responsabilização direta do advogado público seria a contrapartida. Numa sociedade democrática, a advocacia de Estado é convergente à defesa do Governo. É disposição constitucional. Custos e energia serão economizados em ambiente de transação, até porque órgãos de controle os há a mancheias. Sob os holofotes, e sempre às claras, a advocacia pública do futuro fará da prevenção o mote de sua redenção, e da conciliação o mantra de sua justificação.

 
*A opinião aqui externada é pessoal e não traduz necessariamente a posição institucional na qual atua o autor.

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é consultor-geral da União, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
 
Fonte: Conjur

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